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dois poemas

por Laiane Flores


 

Esse bicho andando no teto
Ele acabou de me ver
Enfiando seu pau todo na minha boca
Muitas vezes seguidas
E talvez
Por alguma fração de segundo
Vocês dois tenham se mirado
Bem dentro dos olhos
Um do outro
E antes que qualquer constrangimento
Muito tenso
Acometesse um de vocês
Quase que sem querer
Quase esquecido já
De que eu estava ali
A boca contraída
E o movimento de entra e sai
No comércio da esquina
As buzinas dos carros
Mesmo em movimento
E o som do ventilador
Durante essa fração de segundo
Você esqueceu completamente
Era você e o bicho
Um inseto
E será que ele trepa também
Será que
Talvez um outro inseto
Enfie o pau, o negócio que ele tem entre as patas
(se é que ele tem)
(mas deve ter)
Algum órgão reprodutor
Será que ele gosta
Será que ele avisa
Que vai gozar
Lá na sua língua de inseto
Naquele momento
Eu abri os olhos
E te vi distraído
Olhando o teto
Como um retardado
E eu
Eu entendi por que
Alguns insetos fêmea
(insetas?)
Elas arrancam a cabeça dos machos
Após o coito
(esse nome feio)
Levantei a cabeça
Olhei pro seu pau
(que podia ser o do inseto)
Agora você voltava a olhar pra mim
A expressão de nada faz sentido
Nada aconteceu

 

***

 

tinha um ex no meio do meu ônibus
no meio do meu ônibus tinha um ex
eu não soube o que fazer
eu só conseguia pensar
que não tinha um ônibus no meio do meu ex
e confesso
por alguns minutos
quis que tivesse
talvez só a mão do ex
as duas mãos
atravessadas pelo ônibus
pra eu nunca mais pensar em qualquer que fosse a mão
destra canhota mão dupla
nenhuma me serve de nada
duas ex-mãos
o mais longe possível
pegaram o ônibus e desceram
no ponto da vinte e oito de setembro
desceram
pelo comprimento das minhas pernas
tocaram meus tornozelos
tocaram a campainha do 703 santa rosa x vila isabel
pra descer ali mesmo
entre o méier e Londres
ou entre minhas coxas
qual a diferença
entre a minha buceta e a esfiha do largo do machado
lembrei
porque o ex é ex.