O conto ruim
Esse conto foi escrito para um concurso de contos que acabara de abrir. Um concurso universitário, organizado pelo departamento de letras com o apoio de um importante instituto cultural. Uma pena, no entanto, que ele não seja bom. Uma tremenda falta de criatividade. Claro, de início não tinha consciência do que se tratava. Fiz com uma ponta de orgulho no peito, fiz com uma vontade de ganhar um prêmio, ser reconhecido, publicar um romance depois, superar a insegurança[1].
A ideia do conto era rememorar meu avô sem deixar passar a melancolia da morte. Uma homenagem aos momentos em que ele empunhava o bandoneón e se libertava da prisão que era ser um argentino[2]. Ele sempre me disse: meu filho, argentino não sorri, é sisudo, tem sempre o semblante sério. E ele tomava essa postura para a vida, menos quando tocava. Quando ele tocava era possível ver todas as emoções do tango que tocava. Entre uma virada e outra, ao atingir o clímax da música, muitas vezes, ele chorava.
Lembro-me bem de ele beijar o chão em que tocava, depois o instrumento, e sentava se preparando para viver um amor intenso. Quando o bandoneón abria, e passava por cima de sua perna direita erguida, ganhava um movimento como o de uma cobra a rastejar. A firmeza não se dava até os momentos de paixão intensa, quando num rompante tudo mudava e meu avô, em seu momento mais argentino, sorria como um filho da puta. Sorria de chorar. E eu pensava: até nisso.
Fiquei um pouco quebrado sem esse tango. E, portanto, postei-me a escrever o conto. Era uma narrativa realista com três níveis. O do meu avô, o do narrador e o do escritor[3]. Não quis forçar muito, mas era minha maneira de prestar uma homenagem àquele homem que não sorria e não poderia ser traduzido por nada menos que um conto argentino, sisudo como deve ser. E aí é que fode, eu não sou argentino e o texto terminou ficando brega.
[1]Tantos anos de terapia e nada. Continuo inseguro quanto a meu trabalho, quanto a mim. Tem dias que acordo e não tenho vontade de sair da cama. Perco o dia na faculdade e fico olhando para o teto, parte no sonhar com meu eu lírico, parte no fugir do eu mesmo.
[2]Ele era carioca, mas tinha uma paixão assumida pela Argentina, por Astor Piazzolla e por Macedonio Fernández.
[3]Esse acontece pelas notas de rodapé.