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editorial


não tá fácil pra ninguém. a edição mais ou menos um da garupa é mais ou menos a nossa saída do ponto morto. é mais ou menos a nossa consolidação em um universo editorial, que é um mercado editorial, que é um mercado. e podemos dizer que “mercado” é mais ou menos a palavra da qual estávamos fugindo quando pensamos em formar um coletivo independente de literatura e artes com zines e curtas e entrevistas. não tá fácil pra ninguém e o universo editorial se revelou mais ou menos um mercado, e pegar ônibus é impossível nessa cidade, e a zona oeste é abandonada e não tem cultura e saúde e educação e a política institucionalizada nos grita aos ouvidos “vocês são uns babacas” e os empregos nos sugam as energias e as relações afetivas se querem superficiais e o afeto é marginalizado e sair do escritório pra fazer reunião do coletivo é difícil e cansativo, e escolher os textos e gravar o curta e depois escrever e ler e revisar é trabalhoso mas amamos o que fazemos e queremos qualidade no que fazemos e queremos profundidade e vamos fazer e vamos transcender a desumanidade da vida. quando lançamos a edição zero – a edição passada, a primeira edição, nosso marco zero – muitos amigos e professores e autores nos disseram “não deixem morrer; essas revistas morrem; essas revistas acabam na segunda edição”. nós respondíamos: “a garupa não, a garupa vai ficar firme”. esta edição quase que mais ou menos não saiu porque, tenho que dizer, não tá fácil pra ninguém.  

 

mas a coisa fluiu bem, como deve ser. recebemos um entrevista do manu que está a coisa mais linda, e ele fala dessa ordem do mundo que impossibilita a criatividade e impõe uma superficialidade e um ritmo burro e ele diz como faz e como fez para tentar – só nos resta tentar – sair dessa lógica. e os poetas – o heyk, a letícia, a gleise, o larry, o guilherme, o renato, o luiz, a dora – eles também tentam, como nós, como vocês que estão lendo, eles tentam e dão passos pra trás e olham com distanciamento pra essa lógica e apontam as engrenagens, o bairro industrial, o café da manhã que é só uma trepada, uma trepada bonita, os poetas falam e nos dizem em segredo “saiam, saiam dessa lógica, é uma lógica que impede a reflexão, saiam daí”. e o curta desta edição, um pequeno ensaio sobre a inoperância, fala da impossibilidade de se estar inoperante e da necessidade de se estar inoperante e fala do bartleby que prefere não fazer e que com isso se desencaixa do mundo, é o louco, porque o mundo tem um ritmo burro e a meditação é impossível: nós temos que produzir, vamos produzir. e tudo vira um paradoxo porque não se pode estar vazio, parado ou em silêncio, é preciso barulho e muitos gritos mas são gritos vazios, são sombras que não trazem conteúdo e não trazem reflexão. e o texto de luiz ribeiro sobre sua montagem de processo do kafka. do que fala o processo do kafka? da mesma coisa que todos nós estamos falando, da burocracia, do ritmo burro. luiz ribeiro enfia improvisação no meio de kafka. ele tenta sair dessa ordem engessada que kafka testemunha.

a edição mais ou menos é o sintoma do escuro em que estamos. não tá fácil pra ninguém.