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búlica

por Renato da Silveira


Em algum momento naquele lugar perceberam que a terra, além de tudo, também era promessa. A sua potencialidade parecia obedecer a parâmetros calculáveis, a partir de números advindos de um complexo jogo de gude não esférico, mas poliédrico, e inteligíveis apenas no próprio certame.

Seu grau de compreensibilidade era inversamente proporcional à sua popularidade. De alguma forma, o acesso ao jogo foi paulatinamente lacrado. Os iniciados formaram um culto de mistérios, e talvez “nublar” tenha sido o verbo a tudo iniciar.

É vedado também a nós, após tanto tempo, calcular as identidades de seus membros. Sabemos de forma indireta que havia um advogado domínio a partir de augúrios: tal lote haveria de sofrer invasão; tal posse, seca; tal comunidade, abundância; tal área, prodigiosidade de homicídios; tal monte, honra e esquecimento.

Do pouco que podemos afirmar, sabemos que os jogadores não eram uma unidade – jogavam todo o tempo, todos contra todos, com ameaças e blefes, apontando erros de cálculo, tática ou estratégia. Os que tentam historiá-lo dizem que a partir de um momento (talvez o princípio) as discussões e o falatório detinham o sentido, e o proprio jogo era lateral; outros afirmam que não se acreditava no que se falava, a não ser nos próprios blefes e nas inversões; há os que dizem não haver terra ou pessoas, mas tabuleiros, com peões se devorando enquanto as torres permanecem indiferentes; há os que dizem que nada houve. Todos somados, contudo, são apenas alguns.

Os registros da “contabilidade abstrata”, um ilícito apócrifo iniciático, indicam que o jogo era atravessado de compra e venda de espaço, apostando na concretização dos signos meta e trans matemáticos. Há sugestões sutis e fugazes de que a Irmandade Invisível foi pouco a pouco transformando a paisagem, afastando qualquer vida animal ou humana, por vias diversas, para que o jogo prevalecesse.

Estou no país dos jogadores. É apenas devastação.