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suicídio de bambu, três poemas

por arthur lungov


Suicídio de Bambu

3.a

surge da multidão
uma mancha negra e móvel

um guerreiro zunindo coberto de insetos
negros

homens correm a acudir
e são afastados dessa redenção
fútil

os olhos perdidos
que lacrimejam na glória desse último
golpe

o corpo livre jamais será deles jamais
pois se o corpo cair na mão dos que não consomem
os vencidos
que desapareça numa nuvem
de marimbondos

se tomam essa terra que esse corpo seja roubado
nunca escravo nunca preso

enquanto morre por sua natureza
o suicídio é uma gargalhada
feroz

tornam a falsa vitória em
derrota

horrorizados, não compreendem vingança tão
destrutiva

acreditam ser loucura tropical
ou mais uma superstição
primitiva

partem acanhados sem dizer
adeus


3.b

se tomam esse corpo
o suicídio é mais um golpe fútil na loucura feroz dos vencidos
jamais uma redenção jamais uma vingança
nunca a vitória que acreditam ser deles

acudir? nunca

pois que não seja escravo por essa mão, guerreiro roubado
enquanto insetos o consomem
e o corpo preso morre coberto de derrota
a cair zunindo numa nuvem móvel

desapareça sem dizer adeus
em uma gargalhada primitiva

será que não compreendem? tão destrutiva superstição
surge da mancha negra e tropical
de sua natureza

os homens perdidos se tornam multidão
são afastados ou correm
partem dessa terra
acanhados

os olhos negros, horrorizados marimbondos
que lacrimejam na glória falsa desse último corpo
livre


3.c

uma vitória surge da natureza

o guerreiro coberto na redenção destrutiva desse corpo
a acudir na mão de uma nuvem livre e feroz

cair nunca será fútil

os insetos se tornam o último golpe: ser mancha, multidão
um corpo móvel jamais roubado jamais deles
que não seja preso ou desapareça
os marimbondos consomem, zunindo numa gargalhada negra
tomam essa glória dos vencidos afastados, tão horrorizados
que lacrimejam de olhos negros e acanhados enquanto correm

uma derrota que acreditam falsa superstição dessa terra tropical
pois são homens que não compreendem
perdidos em sua loucura primitiva por mais esse escravo sem corpo

partem

se a vingança nunca morre
o suicídio é dizer adeus


arthur lungov é poeta e editor de poesia da revista Lavoura, autor do livro Corpos (Ed. Quelônio, 2019), contemplado pelo 2º Edital de Publicação de Livros na Cid. De São Paulo; e da plaquete Anticanções (Sebastião Grifo, 2019). os três poemas partem de um episódio do épico Caramuru, do Frei Santa Rita Durão, que retrata o suicídio do líder indígena Bambu, que se recusa a ser aprisionado, e não consumido, pelos portugueses. os poemas antropofagizam-se entre si, e ao épico setecentista, pensando as relações entre discurso, poder e história literária.