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recomece, agora sem cigarro, um poema

por christine gryschek


recomece, agora sem cigarro

nua descendo a escada numa casa vazia
observo a conversa na mesa em que servi
o purê de mandioquinha o quiabo
e todos os segredos que não couberam
sem comer os sonhos do outro
eu me escuto e não concordo
sabe eu li nesta noite
o livro escrito nos domingos e dizia: me diz assim simbolicamente
como sair da curva de um pensamento imprevisível
como não flertar diretamente
cerrando os olhos
mas sempre tem uma fresta mesmo nas janelas com blackout
e continuamos seduzidas pela memória
meu lugar preferido nos museus continuam sendo as janelas
não vou pagar uma dívida que é nossa,
nos consumindo
cinzeiro cheio seu olho que obsessivamente a mim assistia
não sabendo dizer aquela palavra tão desejada pela linguagem,
sabendo esconder
o guarda-chuva do nosso nome
água
ardência
assepsia
me diga se ainda me contrariaria quando tento teorizar tudo buscando
entender a loucura efetivamente como a antitradução
de si
eu escalo minhas próprias paredes
eu me jogo



christine gryschek produz imagens e versos desde a infância. como resultado de seu trabalho acadêmico, artístico e clínico, tem publicado o seu primeiro livro de poemas (“recomece, agora sem cigarro”, ed. urutau), alguns escritos sobre arte e mulheres, e ilustrações. é mestranda em escrita criativa (pucrs), psicologia social (ufgrs).