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um poema

por pedro lago


No fim do verão de dois mil e dezenove
dezenas de corpos tombam distraídos
nos corredores de uma escola primária
em Suzano, interior do estado de São Paulo,
quando dois adolescentes
matam outros tantos a golpes de machado
flechas e tiros antes do suicídio

poças de sangue nas salas de aula,
cadáveres expostos
no registro de segurança

e quatro mil pessoas assistem
ao regozijo macabro dentro da mesquita
em Christchurch, no sul da Nova Zelândia,
do sujeito de vinte e oito anos
com um fuzil semiautomático em punho,
morreram outras dezenas na hora da fé
e suplicando desapareceram,
como quem grita

poças de sangue nos corredores
dentro da mesquita, cadáveres expostos
no registro do executor

e voa rasante o helicóptero,
um menino de doze anos morto
com um tiro de fuzil na barriga
em operação policial
na Chatuba de Mesquita,
Baixada Fluminense do Rio de Janeiro

poças de sangue nas vielas
da comunidade, cadáver exposto
no registro dos vizinhos

e milhares tombam
ininterruptamente,
inúmeras trajetórias
que se cruzam no relato,

e o poema não suporta
o grito de quem trinca,
sente o projétil
incandescente na pele,
o fio da lâmina, a asfixia,
tenta entender tudo girando
enquanto arde,
respira uma última vez,
fecha os olhos e para

venta sem direção no início do outono
e outros tantos se encarceram
no pavor de tombar inesperadamente

lágrimas, lápides, túmulos,
a incompreensão de morrer
pelas mãos de quem odeia

o mundo está doente, diz-se
e a morte apenas alavanca números
com fatos atravessados
nesta esfera esplendorosa
que não para de girar

e, atordoados, giramos
giramos também
todos juntos giramos
em letal desespero
giramos ao redor
de uma espécie de centro
que nos suga vigorosamente,
até desaparecermos por completo

enfim

poça de nada no espaço sem luz,
cadáveres desintegrados sem registro.



pedro lago (Rio de Janeiro, 1981) - poeta e editor.  publicou: Corpo Aberto (Ibis Libris, 2010); Saci (Cartonera Caraatapa, 2013); Cortejo (Dantes Editora, 2014); Roma Canudos Radial Oeste (Megamini, 2015); Corvo (Edição do Autor, 2016); Travessia (Edição do Autor, 2017) e Corsário (Dantes Editora, 2018). ao lado da editora Anna Dantes e do poeta Pedro Rocha editam o selo gráfico em movimento NAVEZONA e, com os mesmos, é um dos timoneiros da kombi/livraria NAVE DANTES.