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dois poemas

por ana eliza lidizia


john wayne 

a migué passa
por cima do toco
era oco o osso 
um buraco mesmo
terra embaixo das unhas
goia no colete
cigarro entre os lábios

o que desliza aqui dentro
dedos língua cílios 
grãos de areia buscando sedimentar
cangaceiros ou militares
não fique paranoico, é meio-dia,
pelo amor de deus 
não há mais cowboys
tipo john wayne
no deserto

se bem que vi um cowboy no bar
a poucos metros 
vestido como tal
falava em ritmo 
quase nada
até cavalo tinha
do lado de fora do bar, tem que arrudiar
seu nome não sabia
sua altura sua idade  
nem sei o que faz ainda um cowboy

pedra cabra baba esqueleto 
mufumbo matagal carrascal os cafundós
colorado blues no 
sertão de minas
deixa disso

desarranja o céu 
vai cair
após o banho vai
ver a debandada 
sua danação
na baixa da égua
vermelha e cinza e preta e bege e azul e 
a cobra pegajosa tá nova 

vai 

descobri depois seu nome
joão seu joão do rancho 
prazer, sou joão, vaqueiro 


colorado blues

denver e manguinhos
a mesma marmoraria
escorada pelas montanhas rochosas
estação de esqui estação de trem
estilo mourisco em terreno vermelho

ao lado esquerdo a avenida brasil
novecentas mil pessoas por dia 
na antiga rio-petrópolis
têm quinhentas vezes mais chances de desenvolver câncer
as crianças expostas ao chumbo das linhas férreas 
do que as crianças fora da pequena gaza carioca, é dito 

ao lado esquerdo o rio colorado
quarenta milhões de pessoas bebem e se banham 
uma milícia branca mata cento e cinquenta cheyenne e arapahos 
massacre de sand creek por ouro e prata  
a primeira rodovia em mil oitocentos e setenta
marca o fim da guerra naquela fronteira, é sabido

somos todos  muito antigos
matriz calcária de atividade vulcânica
blue notes por toda parte 
há algum exame que diga



ana elisa lidizia 
vive no Rio de Janeiro. é historiadora da arte (UERJ) e mestranda em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA-UFF). pesquisa a relação imagem-texto. como curadora independente organizou, entre outras, as exposições “AFRONTA” na Galeria Espaço Piloto/UnB, “Uma delirante celebração carnavalesca” no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica e “Eu vim me apresentar” no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea.