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canções russas

por thadeu santos


canções russas

"¡Un cosmonauta ruso
Dando de volteretas en el cielo!"

Yuri Gagarin, de Nicanor Parra
Canciones rusas, 1967

créditos no fim do filme

nada é mais
antiamericano
do que ser russo

nem o talibã
é mais antiamericano

maduro não é nada
frente a um russo

nem macondo

antiamericano
absoluto

ninguém é mais russo
do que as pussy riot

se você é russo
e sabe disso


russo em havana

o russo
está condenado
a viver sob controle

uma pessoa vigiada
pelo olho

que é como o olho da águia
filho e presa

contando as contas
do que seja lá possível

a um russo desocupado
entristecido e esclarecido

do que foi necessário fazer
para fazer a rússia

é preciso saber o que o russo faz
nunca haverá tempo sem inimigos


videogame online

um russo
que gosta de guerra
é um russo

que gosta de arma
que gosta de interferir na chechênia
e acha que pode controlar kiev

gosta de ver televisão estatal
um russo que gosta de vodca
de cantar o hino da rússia

que gosta da copa do mundo
e que só assiste o big brother rússia
e acha que a rússia é
um pouco do que é ser russo

mover-se em quadra como a sharapova
alongar os braços, lançar o corpo
colher tulipas em são petersburgo
rangendo os dentes, sorrir


um amor na estação espacial

um satélite
lindo
manda sinais
para moscou

é de manhã.
e os alertas
estão ligados

não há relva
não há campos para semear
há o vazio,
há tudo, menos nosso planeta

menos quem sou
curvilínea
surge a ásia
frente a antena de captação

um sol russo
frio, sonolento,
bravo e
muito russo

ilumina
o satélite feito na cidade vermelha
com o suor do povo,
e que está longe no céu
tão longe no céu

quanto meu amor,
desatino, mel,
torção

pigarro
do presidente
propaganda do governo
dentro da poesia contemporânea


rússia aos domingos

um novelo de lã
cobre o ouvido mouco
do inverno da sibéria

tudo é branco
como a rússia
suja de sangue

tudo é azul
ontem, um cigarro não acendeu
os fósforos molharam
congelados no próprio suor

fio de luz púrpura faz um arco
é ametista ou lírio ou
ilha de cal, cano de descarga,
fuligem, ilha de ossos
e amei demais um poeta daquele país exilado
na língua de outro país

essa selva não tem nome
as árvores não fazem sombra
sempre é sombra
rio que virou pedra


viatura na porta da padaria

uma mala de dinheiro

em nome da rússia
já salvou o mundo da destruição

salvou a pele do chefe do serviço secreto
e do comandante do exército

trouxe a paz nas fronteiras, comida para o povo
e votos para o presidente

tirou toda a pressão em cima do ministro da economia
e do presidente da câmara, que agora se gaba da estabilidade política

relaxou a perseguição à máfia
e à rede de prostituição de menores em moscou

permitiu a concentração da mídia
e o controle da opinião

deu aval para a prisão de opositores
e corroeu todo o sistema de justiça

não falta dinheiro para os conselhos
porque sem dinheiro conselhos não dão

nem para os sindicatos
organizarem o primeiro de maio

não falta dinheiro na rússia
quando é hora de lutar pela democracia



thadeu c santos (Itaperuna, 1987) é poeta, editor de livros e produtor cultural. autopublicou
nossa arte é postar (2018) e zen saída (2016) e é programador do site-revista Póspoesia (2016-2019). é editor do selo autônomo kza1. coedita a coleção de poesia Galope, em parceria com a Garupa e é um dos produtores da Subcena, projeto de poesia e performance que acontece no Rio de Janeiro, desde 2017, em parceria com o selo Quintavant e o estúdio Audio Rebel.