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vagão carioca

por elilson


vagão carioca

A bolsa vermelha dele me leva junto para o outro lado da estação, mas ele não embarca. Está atento ao celular, conversando com alguém presente em outra superfície. Sinto algo perto do desespero: outro trem, de outra linha, para e passa. Ele permanece. Suponho que está à espera de alguém. Agora, eu vivo à espera dele. Deles. Ele desliza a perna direita no chão, acomodando-se mais na cadeira. A três bancos de distância, meu desespero aumenta. Dois homens ocupam os espaços de banco entre nós dois. Aprumo o corpo, estico o olhar e alcanço os pés dele balançando, como se com pressa. Sinto um alívio que não dura muito: ele volta a afundar na cadeira, cruza os braços, olha para o chão. Agora dorme. Dorme. Dor-me. Fudeu, eu falo para dentro, porém ele retorna ao celular. Outro trem. Num supetão, sem nem um suspiro de vacilação, entra no trem. Corro. Alcanço. Ele vai em busca de um assento e percebo com mais detalhe a espécie de Ícaro que ele tem tatuado no pescoço. Ele para os olhos no chão ou pouco abaixo da bunda de uma menina com camisa estrelada. Abre um sorriso sem dentes, arregala as ventosas num suspiro sem o auxílio da boca. Num suspiro com som que se perde. Por um momento, acho que estou me sentindo encantado por sua rotina, por sua espera. Quase lacrimejo, mas sou interrompido por um dos homens que estava sentado entre nós dois no banco da Estação Carioca. Este homem, que me olhava escrever sem parar, havia entrado no mesmo vagão que a gente. Aproximou-se e, estendendo a mão direita para um aperto, perguntou meu nome. Giovani, de Niterói, completou o flerte, me dizendo que pegou o sentido contrário. Eu sorri ao pensar que o fiz derivar junto comigo ao passar os olhos por cima dele para filmar o rapaz da bolsa vermelha. Meu tempo não estava de paquera. Giovani desceu na Cinelândia. Seguimos, eu e o Ícaro de bolsa vermelha.

Estação Catete. Portas se abrem. Com nova decisão imprevisível, ele corre para sair. Estamos a 10 bancos e 23 pessoas de distância. Por sorte, estou do lado de uma porta. Curvo o corpo para a esquerda e desembarco. Ele corre. Não o alcanço. Dobra o corpo para a direita, lá nas escadas de acesso à superfície, me deixando órfão de sua espera. A última coisa que vejo é o vermelho da bolsa pesando no ombro direito.

E instantaneamente passo a ver todos os vermelhos.