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catraca

por elilson


catraca 

Este texto subterrâneo pode ser lido como um conjunto de traduções. 

De partida, enquanto tem gente passando sem parar entre os meus olhos e os teus ouvidos – a vida na cidade, diga-se em passagem, é gente passando sem parar, mesmo quando as janelas se fecham– estamos acordados de que a imbricação entre enunciação linguística e enunciação pedestre é uma citação à performance Following Piece1, de Vito Acconci (Nova York, 1969). Nessa prática urbana, o artista escolhia diariamente e aleatoriamente uma pessoa caminhando nas ruas para persegui-la até o momento em que esta adentrasse num local privado (casa, escritório etc.), onde ele não conseguisse mais acompanhá-la. 

Nas linhas que se seguem, você acompanhará meu percurso-ação em vagões de metrô perseguindo desconhecidos e deixando que seus-meus estímulos co-ordenassem o tempo e a trajetória do meu corpo. Ao saber que você lê este caminho, fico de cá com o desejo de prosseguir essa transdução de pés, ouvidos e olhos em palavras, ao imaginar e escrever o que você vê e escuta enquanto lê. Talvez seja uma criança balançando os pés que ainda não têm autonomia para tocar no piso logo abaixo do assento, ou dois senhores que falam da inflação do açougue, da bala correndo mais solta, do mato queimando, do filme sem cartaz... enfim, dessas coisas que nos acontecem a todo tempo, mesmo quando fingimos fechar nossas janelas. 

Antes do embarque, ainda vale frisar que o título deste conjunto de passos aciona a artista carioca Dani Câmara, que nomeia “Arte de vagão” as apresentações artísticas realizadas em vagões de metrô. No mais, o texto foi escrito durante uma das últimas tardes em algum dos últimos anos no Rio de Janeiro, e tem um valor total de sete reais e trinta centavos, divididos entre tarifa metropolitana, bloco de papel e caneta. 

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1. In: Language to cover a page :The early writings of Vito Acconci. Editado por Craig Dworkin pela editora MIT Press - Writing Art Series (2006, p. 19).