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três poemas e quatro fotografias

por camila de moura


Sobre a máquina

Ser capaz de arrancar mas
não de pará-la

Buscar de onde vêm
seus ruídos cênicos 
de guarda-chuvas em êxtase

Conhecer a diferença entre
uma turbina e um problema

Chegar ao limite em que velocidade
e temperatura atingem o ápice e então
o turbilhão começa a resfriá-las

Testá-la em todo tipo de terreno e condições impróprios

Batê-la, perdê-la, desmontá-la, incinerá-la

Medi-la contra a potência do cavalo, a um tempo símbolo
da escravidão e da liberdade, senhor das pradarias, epíteto dos intérpretes

Tê-la dentro do corpo mas distante dos olhos

Absorver todos os choques, sendo permitido saltar para fora apenas em caso de colisão frontal

Chamar de seguir o ficar e de ficar o seguir

Jurar fidelidade às engrenagens do sonho, alimentadas pela distância
gerada entre os corpos

Observar os pianistas em seus gestos mais banais

Os objetos estão mais próximos do que aparentam

Não siga as placas

Teu amor te espera ainda

Toda viagem é uma viagem no tempo


2014

Um bom ano para aprender
do que floresce na falta de água,
acender rostos varridos no acaso, e
acostumar-se aos polígonos de areia
que giram dentro do peito cansado
sem medalhas para acalentar
o sono

As notícias são de uma árdua antiguidade:
construirão um condomínio sobre os nossos sonhos,
um enorme condomínio de aço
com todas as facilidades
sobre o lago das carpas pintadas sobre o riso o primeiro retrato
sobre o solo escuro da infância

E nem mesmo uma palavra rude
E nem mesmo uma palavra -

Cedo ou tarde uma placa, uma certa miopia
hão de indicar o caminho
para um mundo que perdemos com as chaves
para um sentido que esquecemos na chaleira

E apertaremos os olhos para ler nas luzes vagas:
novamente falharemos, novamente

(E empunharemos o aço)


Tempo de buscar emprego

Currículos são feitos
de verbos no tempo perfeito:
ações concluídas que insinuam
transversalmente seus efeitos no presente

Como uma pessoa que aparecesse à porta toda suja de lama
E você, por cordialidade, perguntasse o que aconteceu

Aquela que fui, aquela que serei
aquela que frequentemente, aquela que jamais

Aquela
que está fumando um cigarro no amanhã
nesta exata cadeira de escritório
caramelo iluminada
pelo sol

Aquela que brada
quando necessário

E que está perpetuamente
se perguntando
sobre o que é realmente necessário

Então, como dizer:

Saiba, você está contratando a pessoa errada
– Como em definitivo assumi-lo
sem lamentar o destino das águas?

É preciso contar 
com o senso de humor da hierarquia

Ou buscar nos livros astutas palavras
que joguem cores sobre os nobres exageros

Belas palavras destruidoras de cidades,
como nos são caras!

E a verdade -
castelo impávido
que galgamos
da extrema aventura embriagadas

 

* * *

 

 

 




camila de moura (@camidemou) nasceu em Brasília, em 1989. graduada em Letras Clássicas e mestre em Filosofia pela UFRJ, com uma pesquisa em torno às antigas biografias dos tragediógrafos gregos. integra a equipe editorial da Codex – Revista de Estudos Clássicos. atualmente, vive em São Paulo, onde exerce o ofício de tradutora.