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no escuro, quatro poemas

por carlos orfeu


 da série "no escuro" 

I

você sentada no escuro
mastiga com os olhos
os ossos da luz : the queen is dead
the smiths une-se ao corpo
nu imerso na sombra

silenciosas cascas
caem da parede
como os cílios
caem dos seus olhos

: agora chove
um pouco do céu
cinza em cada gota fria
cai pela fenda do telhado
e estilhaça no lado esquerdo
do seu seio mutilado

você pensa e dorme
como dorme a chuva
no útero de um fruto
abandonado no chão


II

o dia dilacerado
na gota de suor

mãos
se desencontram

ainda vivas
alcançam

o horizonte
de outro rosto

e repousam
os ninhos
de sangue


III

olhar a janela
pensar a paisagem

como boca
tece língua e céu
com seus dentes

dentro do vento
abre os olhos da casa

a casa olha o rosto
distante no campo


IV

você abre um livro
animal a crescer na língua
numa tarde fria de julho

o vento levanta
seu cabelo verde

bebe da saliva
por dentro
da carne
da palavra

você olha os pássaros
em declínio
nas árvores sanguíneas 

as asas dissipadas
encontram sua boca

habitam o som
de cada palavra
que você lê em silêncio



carlos orfeu nasceu em Queimados, Rio de Janeiro. publicou Invisíveis cotidianos, em 2017 pela editora paraense Literacidade e Nervura, em 2019, pela editora Patuá. participou da antologia, organizada pelo poeta Floriano Martins: Sob a Pele Da língua, onde reúne jovens poetas com referências surrealistas. tem poemas publicados em revistas e sites literários.