da série "no escuro"
I
você sentada no escuro
mastiga com os olhos
os ossos da luz : the queen is dead
the smiths une-se ao corpo
nu imerso na sombra
silenciosas cascas
caem da parede
como os cílios
caem dos seus olhos
: agora chove
um pouco do céu
cinza em cada gota fria
cai pela fenda do telhado
e estilhaça no lado esquerdo
do seu seio mutilado
você pensa e dorme
como dorme a chuva
no útero de um fruto
abandonado no chão
II
o dia dilacerado
na gota de suor
mãos
se desencontram
ainda vivas
alcançam
o horizonte
de outro rosto
e repousam
os ninhos
de sangue
III
olhar a janela
pensar a paisagem
como boca
tece língua e céu
com seus dentes
dentro do vento
abre os olhos da casa
a casa olha o rosto
distante no campo
IV
você abre um livro
animal a crescer na língua
numa tarde fria de julho
o vento levanta
seu cabelo verde
bebe da saliva
por dentro
da carne
da palavra
você olha os pássaros
em declínio
nas árvores sanguíneas
as asas dissipadas
encontram sua boca
habitam o som
de cada palavra
que você lê em silêncio
carlos orfeu nasceu em Queimados, Rio de Janeiro. publicou Invisíveis cotidianos, em 2017 pela editora paraense Literacidade e Nervura, em 2019, pela editora Patuá. participou da antologia, organizada pelo poeta Floriano Martins: Sob a Pele Da língua, onde reúne jovens poetas com referências surrealistas. tem poemas publicados em revistas e sites literários.