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cinco poemas

por pedro cassel


librianos são uns sacanas

cortam caminho pela superfície
comendo miolo sem roer casca
por isso os pés macios
e os dentes de leite

librianos são uns sacanas
tem vênus no corpo como
na canção da bjork mas
como em outra canção da bjork
nenhum respeito emocional
pelas pessoas

librianos são luminosos
acendem você não vê nada
fica seguindo as silhuetas
na contraluz todo mundo
parece jesus

preferem a vara ao pescado
e os linguados ao jornal
no chão do barco
são água morna
notícia velha
brinquedo brincado


meio mistério

minha vó via o futuro nas panelas
mas contava pouco
ficava um meio mistério
talvez porque não soubesse mais
talvez porque eu e as primas
não merecêssemos outro bocado

de tarde no pátio
a gente inventava moda
até perder a graça
ou as mães chegarem

aí a tia trazia
mapas do céu pra gente ler
falava nomes como reia
urano
cúspide
depois botava
um cd dos almôndegas
nos tirando pra dançar

debaixo do carreteiro
coberto de queijo lanche
o futuro era um ovo cru
que aos poucos
endurecia


a jealous fish

marianne moore eu também
não gosto de poesia
não gosto quando lembro
do seu poema do jellyfish
parece ele mesmo
uma água-viva
que eu posso botar no repeat

releio até não enxergar
nada além de dedos
bem menos cnidários
que humanos

e penso em arapucas, marianne
máquinas feitas de palavras
será que um dia eu também
vou desgostar delas
com a mesma troça e elegância
que você


cafoníssimo ouvindo norah jones

coração embebido em vinho
é uma imagem que faz sentido
se eu coleciono borboletas
é porque te carrego comigo

na praia gay da galheta
morrer de amor é bonito
a bunda virada pra lua
a boca de alguém no meu pinto

saco de ossos na areia
casca de fruta nas águas
deixei a cabeça na rua
voltei pra casa sem nada

algo nos põe a correr
em qualquer direção que seja
coração embebido em vinho
e a breguice que nos proteja


guaíba-tietê

sonhei que era o mesmo rio
portanto poa/sp divididos
por um corpo fluvial apenas
portanto um catamarã
de distância entre nós

o mesmo rio
portanto duas praias
impróprias para banho
com a mesma água
que nunca está para peixe

sonho submarino de pisar
fundo no firme do chão
da outra margem
como um bicho pesado
que sabe onde vai
sem receio
nem vontade de voltar

sonho suburbano de habitar
sempre uma cidade
maior que a anterior
até que um dia uma cidade
maior que a anterior
não me deixe mais dormir
pra sonhar com o que seja

(se eu for visitar te peço
me dá canseira no parque
assiste um desenho comigo
apaga a estação da luz)



pedro cassel (1989) nasceu em florianópolis e mora em porto alegre, onde coordena o grupo de estudos e ações em poesia (@_geap) desde 2016. estudou história e antropologia, mas trabalha com música. lança logo seu primeiro álbum.