um donner não tem peso
nas cidades mais antigas tudo é muito perto
o mofo não tem reino é passado e futuro
as cidades muito novas são um azulejo
quebrado em uma cidade muito antiga ou
teu nariz de lado empinando uma trilha
à altura
alegria é videogame e a coragem é o ticket
o segredo abre as portas entre as casas
uma estrela uma praça do tecido cru da via láctea
o fogo esticado e esse café passado uma simulação disto
um encontro nos fazendo de isca
os livros são os endereços que voltamos
os endereços pesam as roupas pesam muito
a escova de dentes é a cobertura
dos 25 kilos da bagagem
o não peso é o endereço que encontramos
como um donner não tem peso
um crime para chamar de teu entre as pernas
das duas linhas do metrô da linha ouit
a luz escamando em teu olhar plotado
na ponte da amizade sobre o reno
quando achou que te chamavam mas era o som
das cordas do teatro de bonecos
um som desconhecido
todo som desconhecido pode ser teu nome
um nome não tem peso
o donner é feito por um moçambicano
pois a Grécia também não pesa
por mais incrível que pareça
e este era para ser mais uma daquelas
rúbricas de amor que não bate com a original
este poema
ou uma canção antiga de brasileia para acalmar
que começa assim
o amor é um endereço no mar
e pros amantes a chuva é uma estranha
chegada
outubro
se eu dissesse que os poemas escritos em março
são poemas sem data, e o resto do ano, os poemas são anos ligeiros,
incapazes de alçar o sonar, são pequenas eternidades tu diria
um copo de consolo, um consolo de café moído na pimentedeira,
teus dentes sujos de tarde, palitando as palavras de frente,
e que nessas horas temos é o que não agarramos
e o sentido é o que temos, a mão suspendida, mas o braço em lenta
suspensão, o que não te toco, o que não de murro vou, o que não de costeio vou,
o lambuzo que extravia,
se eu te dissesse que vi hoje nuvens que choviam só no contorno e é outubro
era pra ser este meu tobogã manco, minha descida cigana, e meus colegas de trabalho
não falaram nada
e não havia mais céu ou havia
pois não é possível a um humano tal encomenda um sem céu
sem terra sem ar sem páscoa ou deus sim
e a caxemira estava na altura dos ouvidos
as romarias de belém
iansã
e santa bárbara, duas mãos afiveladas,
a assíria, hong kong, os piratas etíopes
e os guerreiros de quito
eram o tablado do ouvido
nestes momentos onde te imagino dizendo ergue o braço
e o céu começa daqui e eu te digo não é verdade que te amo e só amo-te é por teus
braços agora tudo que me parece é grande
e tu dirias
foram incontáveis noites as que o deserto dormiu sem ser habitado
temos de aprender a ser incontáveis
não é verdade
ama-me e é só já dizia santo agostinho e adélia prado
o mundo é uma pose e nós nos encarregamos
de convencer os fatos
seremos incontáveis e riu longe mas tão longe
que o mundo virou uma pulga
que o guru Sin Li contou ao seu amado e foi-se para a floresta
I.
Don Gu
o amor é uma natureza à parte
os gurus não habitam um só animal
mas os prados e os mangues
o amor não nos é permitido
estaríamos assim nós em todos lugares
mas o amor é um atalho no tempo
você é um marinheiro do acaso
cujos pais se perderam
no atropelar de uma fronteira
as fronteiras só crescem por cima
dos corpos Don Gu
sua parte filipina
sua parte tailandesa
são só presunção
eu posso como um monge
amar por exemplo as filipias
a tailândia
mas as duas em um homem só?
mas amar uma presunção?
embora seja isso a real natureza do amor
meu amado Don Gu
o amor é uma presunção máxima
mas isso as línguas
antigas e as escrituras sagradas
nada ousam
II.
hoje foi minha vez de buscar água
e no poço pude ver
sei que os soldados virão pela manhã
sei que a palha das casas esquenta a ponto de
entusiasmar os cabelos
do fogo
o imperador e seu jogo de Go coreano
vi tudo isso Don Gu
enquanto o balde de madeira pingava no chão
e a miragem aumentava
a sede de meu vilarejo
no entanto deixarei o macarrão
de molho
dependurarei as bandeirolas
no teto
do novo ano
amar alguém é também ter
intimidade com o futuro
Don Gu
as arapucas e estilingues
funcionam para os dois
lados
III.
dei-lhe alimento
uma história de minha avó
a receita de chá preto
coado no zênite da lua
cheia
quis dar-lhe
um par de chinelos gastos
como a forma de meus pés
um poema de Lao Kun Ji
nunca terminado
Don Gu
as cabras os cavalos
os pássaros as estrelas
são nossos espiões
secretos
estão a nosso favor
me escuto nos ensinamentos
do Lama
blindado com o queixo de minhas
112 encarnações
me falo por outras coisas
como sua gola da camisa
sempre amassada
que avisto em uma nuvem
abandonada por seu bando
ciclo do enquanto quase
I
Explica-me uma escultura com um espirro
O avião cruza o molde
Destes braços
Escreve-me uma página em branco
Um sorriso se alimenta de si mesmo
A lua apertada em seu zênite
Tua cara inchada
O joanete da lua
um barco congelado
da expedição ao polo sul
Sua cara copiando-se na mesma postura
Faz-se de cenários
Para as dúvidas que só nos visitam
Uma vez ao ano
E mesmo assim fica o mistério
de quem engordou os gatos
II
Juntei o beiço caído
As praias escovadas pelo vento do mesmo dia
Consultados foram
a dispensa de sua bisavó
a vendinha do bairro
a mulher que vende martelos
depois do marido marceneiro
se ir
Mandou por um outro me dizer
Deixe de torcer estragos
escolha uma metáfora e falte ao encontro
Durmo bem pois nunca o encontro
ele o pavio
o pavio é o depois
III
Não me quis com outro nome
Quererá com esse
Quando apontei o terreno baldio
E lati
Disse: bons bocados de péssimos
modos
Quando escondi a cama
dentro
do dedo
indicador
não disse nada
Não disse nada como quem fala
mal sabia mas até as paredes nessa casa
são ataduras abertas
Não me quis nem mais jovem
nem nem menos mulher
quem dirá pensando bem
o desejo não pensa
Mas quando menos vês
desabotoa os panos por baixo
das roupas
nathalia silveira rech nasceu em porto alegre em 1991. é graduada em jornalismo e possui mestrado em comunicação e semiótica, com estudo sobre biopoesia a partir da obra de eduardo kac. integra o Grupo de Estudos e Ações e Poesia e o Grupo de Pesquisa Extremidades: redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea.