[insira uma frase de Eva Perón]
do bico do peito
há
os que mamam em grandes tetas
o pingo de leite
branco
sobre a hispano américa amedrontada
sobra-nos:
1. os farelos,
2. o chupar de dedos,
3. pedaços de alfajor caídos sob o tapete do vizinho.
aos que não tomam leite
– esses que infestam a cidade com cartazes de desaparecidos –
restam-lhe
o café preto amargo
trepamos sobre essa cama, mas não nos lambemos
tampouco
partilhamos nossas línguas
falta-nos salivas
a cerveja o matte dividimos no poema após um pancho entre Catarmaca y
[Sarmiento
da goela
o pollo descendo abaixo
até o engasgo
yo soy soy yo
a balsa que atraca no Rio Paraná
a faca que corta o pão massudo
dentro
salsicha temperada de salsa crioulla
***
corações de alcachofra
corações de alcachofra em conserva de óleo
mastigados depois do jantar
sobre a mesa
os pratos, os talheres, os corpos usados
abutres miúdos e vesgos
rasantes
afiam suas unhas no amolador de facas
arrancam as peles gorduras
jogam na vala atrás de minha casa
desfiguram a carne putrefata
explosões sucateiam o ferro
agora corroído serve de mordaça
a cidade dorme como se nunca houvesse
amanhecido. na madrugada
forra-se o tapete infestado
de ácaros
odor de alho na sola dos pés
caminhando sobre as ruas
os velhos não usam sapatos
deus não anda entre os meus
sobrevoa em helicópteros
arranhas céus
onde dorme em colchão de penas
***
pombo morto
o tempo com suas grandes mandíbulas esmigalhando a carniça caída feito pombo morto entre os carros na dom hélder câmara
as cutículas sangrando espirrando líquido vermelho tudo é dor dentro dessas unhas que quebram a cada soco dado nesse punho que é meu esse desespero essa fala comprida esse wifi torres 123 minha bolsa bege aquela carteira de trabalho toda rabiscada os seios com estrias brancas e largas são minhas essas estrias essa vulnerabilidade é meu esse
cotovelo cicatrizado
taquara me faça carinho em dias de sol como naquele domingo de galeto desfiado pepsi e transas de compridas horas no quarto teu rebocado com pasta branca
sinto falta do que foi meu e não será de ninguém
não será
não pela morte mas pelos dias que foram nossos e ninguém nunca arrancará de mim o que foi meu não o tempo não o tempo não tirará de mim o que foi meu você tão meu naquele domingo o pau vermelho com as veias tão minhas
em caso de emergência utilize o martelo 296 me dando crises de pânico em abolição quebro os cacos tão pequenininhos para sair de dentro deles como se saem os espíritos que se apossam das pequenas coisas quebro você no canto nunca meu nem mesmo teu para que volte ao lugar do vaso de barro sem flores sem água nem terra
o poema fudido suplica todo ferido para que te deixe atravessar a rua
de longe te vejo indo
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Sobre a autora:
Valeska Torres nasceu no Rio de Janeiro, Marechal Hermes em 1996. Mora em Irajá. Publicou poemas em Do rio ao mar, coletânea de poemas, crônicas e contos, na coletânea de poemas da FLUPP 2017 e nas revistas Mulheres que Escrevem, Escamandro e Mallamargens. Foi uma das 18 selecionadas para a coletânea de carnaval na revista Gueto 2018. Foi a única brasileira selecionada para a residência no Festival Internacional de Poesia de Rosário. Contato: valeskangelo@outlook.com