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os olhos de Helena

por Rafael Zacca


OS OLHOS DE HELENA
03 Tragédias & um Épico

ou

Menelau passa um aperto no Méier
e pela primeira vez de frente com a solidão pensa
se é a vida que lhe assalta tudo o que tem
ou se é Helena o Cavalo de Tróia

1
Todo dia morriam crianças,
eram muitas as minas instaladas nos olhos de Helena 

e era preciso jogar o corpo contra rochedos
ser covarde nos botecos
de alguma forma
ter as mãos homicidas
era preciso muito
perder
o emprego
o desejo
comendo a ponta dos dedos 

tão frágeis 

as unhas roíam [:]
[           ] o tempo
[           ] as contas pra pagar
[           ] a gente [–] 

... morrendo na praia...
[/]
...os olhos de Helena... 

de lá
acenavam os heróis do Cavalo, derrotados.

2
Aqueles olhos... tanta gente na fila
dos hospitais... E o tísico Menelau...
o hipocondríaco cardíaco

ouvia distante o coração
pedregoso
fraquejar
com bulas farmacêuticas nas mãos
 tomografias endoscopias não tinha nada dentro
 era tudo fora
tudo [:] olho no capacho [;] 

cheiro do capim [;] tudo [:]
nuvem ácida [;]
 dejeto industrial [;] chovendo [;] silêncio do teatro [;] 

escuro do cinema, [.] Menelau
era um nome esquecido
um nome todo em cacos [espetando o pé dos outros]. 

“Os olhos de Helena eram tudo dentro. Eram grandes
tinham todos os caras das terras que não conheci 

os olhos de Helena inimigos do meu Méier
rendido, meu Méier de bandeiras brancas
e de moleques humilhados.” 

(Lacedemónia é apenas um retrato na parede
etc.) 

“Lembra, Vini, quando éramos só uns fodidos? A vida era simples, todas as meninas eram lindas a gente tinha largado a faculdade aquilo foi a nossa infância nós não tínhamos nada, escrevíamos péssimos poemas denunciando a realidade social, os catadores de lixo as prostitutas os adolescentes suicidas os viciados em remédios todos eram os camaradas todo mundo preparava a grande reviravolta o primeiro porre veio tarde pra mim eu voltava um pouco tonto pela Magalhães Couto com o Marcinho, e resolvemos fazer exercícios na rua da ladeira, eu tentei disfarçar, fiquei muito comovido quando meu pai percebeu que eu estava bêbado, e ri já todo fodido, naquela noite eu não tinha nada eu já era bem velho a maior glória diária era conseguir falar com as pessoas (“na solidão de indivíduo desaprendi a linguagem com que homens se comunicam etc. fiquei trouxa larguei tudo”), a nossa timidez eu tenho orgulho daquela timidez, a gente se chamando de B1 e B2, eu acho mesmo que é muito comovente ser um banana de pijama, embora tudo isso possa parecer decadente, mas as crianças nunca caem.” 

3
[Menelau aponta a lança contra Páris, a lança se quebra
todos os heróis choram, é só isso que os heróis sabem fazer
chorar como uns danados. Menelau fala antes da morte:] 

“Os olhos de Helena...
uma porção de urubus
eu rastejando feito cobra 

a primeira vez que eu vi
os olhos de Helena

acontece todo o tempo, e nunca mais houve.
(Helena, as aves de antes migraram 

dos teus olhos, que de gordos amanheceram cinza.
Eles foram a poeira da terra acossada por mísseis.
E depois nada.)”