SEÇÕES

Mundinho

por Felipe Boaventura


Mundinho   

   Eu estava imerso em meus próprios pensamentos quando o ônibus relinchou sua chegada. Muito faltava correr para alcançá-lo; posto que eu estava imerso em meus próprios pensamentos; posto que de tanto esperar, eu já não esperava mais com fidelidade de espera. Apenas sei que sendo incapaz de perceber sua chegada, ainda que rompante, ainda que transgressora – sim, os ônibus corrompem o juízo das pessoas ao roubar esperanças convertendo-as em estresse – ele manobrara traiçoeiro como de seu costume.
   E eu, junto de tantos que tais como eu, dependem desses, mas que hora outra sucumbem, como eu então imerso em meus próprios pensamentos, incapazes então de tourear qualquer ônibus de cinquenta mil toneladas de puro ódio que entrasse no recuo de quatro metros do ponto, a duzentos e sessenta quilômetros por hora e atropelasse aquela garotinha linda que disseram ter olhos cor de céu, e que imersa em seu próprio mundinho, desgarrou-se daquela mãe ali desesperada, e correndo sorriso largo, a despeito do ônibus que metódico nada nunca perdoa, fosse tentar alcançar qualquer coisa que só ela, que estava imersa em seu próprio mundinho, pudesse ver.