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três poemas

por heyk pimenta


twister

se rolo os olhos pra sua boca perdida
nos seus cabelos sua boca perdida
e marrom nos seus cabelos marrons vejo
um sorriso que trabalha sozinho na sua cara
esquisita alguns atores são assim ninguém
sabe se são bonitos ao vivo um sorriso
marrom e os dentes retos e estreitos e
compridos como
é macia sua bunda e as solas dos seus pés
virando a rua com botas de plástico e uma paixão

comemos pipoca pra ouvir as notícias
ou nos deitamos para ouvir as notícias
sua história melhora a cada vez que me conta

seus pés e mãos são maiores que vc
e talvez só andando de bicicleta pelo túnel
da central eu sinta algo
que imite te abraçar colocando
a cabeça no seu peito e os braços
em volta da sua cintura dão a volta
e seguro de novo meus braços e o abraço
é em nós dois
e fico
lembrando que se abraçasse assim
um poste por exemplo ou a trave de um gol
um tornado não
me arrancaria de lá

ter força
pra não desfazer o abraço dentro
do cone do tornado

sinto isso agora
com a cara escondida no seu esterno
ou com minha orelha contra sua pele
que segura logo atrás dos ossos
um coração fodido
mas mais antigo
e inteiro
do que quase
todo coração


“tente passar pelo que estou passando”

esse verniz
delicado

é deslizamento de terra
e sacerdócio

por isso os tecidos frescos

para mexer o café do futuro e
repartir o pão dos pássaros

nossa granada sem pino

enquanto apuramos os números do congresso
e esperamos na fila do

                         cinema

nosso olá como vai
eu vou indo e você

e seu cuidado
em terminar a cápsula

que nos mandará para fora da chaga

enquanto atiram e por isso atiram

mas já estamos perto da estação

lembra quando disse
que já éramos heróis

porque alimentávamos
o cachorro
com a vida que tínhamos
e nenhuma planta morria?

agora nos vejo mais como garçons
trabalhando num pedaço novo da cabeça
ganhando bem
jogando fora o adoçante
e ensinando como se come com a mão


a bola que vc cantou

vc tem os dedos do pé gordinhos e cada seio
pontudo aponta pra um lado que bonito
ouvir vc cabe direitinho
na minha conta e eu tbm sou sou perfeita e vc vai ver e era e isso foi só

nosso primeiro dia e começamos
bem e precisávamos disso
eu mostrando um cano torto
em um prédio na vila isabel vc interessada
disse que parecia um gato olhando
a lua e disse que era por isso
que era poeta nos beijamos e todos
tiraram sarro e com razão qdo acordamos
expliquei que não podia ficar mas que vc
vc podia ficar não precisava mais
ir embora

e seu cabelo era da mesma cor
que vc e os olhos saltados e suas costelas
absurdas e vc ficou pena eu
ser triste desgraçado mas fizemos planos
pro réveillon no primeiro dia e cumprimos eram bonitos
os jardins que seu pai mantinha ele dando injeção no peito
dos frangos os frangos sabendo que precisavam
ser sanguinários era tão bonito
o jeito que sua mãe encharcava a pia e o jeito
como ela esculpiu seu nariz sua mãe
era um samurai e eu não lembro do rosto do seu irmão

lembra qdo era natal lembra que era uma trupe
com uma peça embaixo do suvaco e capitu
me disse como vc era gostosa e eu sabia mas foi tão bom ouvir ali entendemos tudo pq vc
me disse
que eu me achava um boi quatro corações
em vez de quatro estômagos e que os quatro
funcionavam mal

dali a bola que vc cantou
iria dando jeito de se encaçapar sozinha
e eu teria q sumir depois vc apareceu
trocamos doenças e
nunca mais nos vimos



heyk pimenta, 1987, é poeta e pai. se vira como professor, oficineiro e aposta tudo nos encontros. publicou Surrado (7Letras, 2019), A serpentina nunca se desenrola até o fim (7Letras, 2015), dentre outros. foi integrante da Oficina Experimental de Poesia e é professor de sociologia do ensino básico público. mineiro, vive no Rio de Janeiro desde 2007.