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Minha mão treme

por Maria Palmeiro


Minha mão treme

Há dias noto que minha mão direita treme
Na esquerda eu não noto, mas sei que também treme
O que posso sem as minhas mãos?
Mesmo se há atividade mental
Minha satisfação é usar essa ferramenta de tradução para o papel
A satisfação está no movimento das mãos
não importa o papel
nem a qualidade do que aí é posto
nem a caligrafia , ainda que a grafia da primeira letra sempre me faça hesitar (cursiva ou de forma?)
Na Colômbia se aprende a escrever com letra de forma
no Brasil com cursiva
Eu tenho letra de arquiteta e outra que é tão arrastada que parece um movimento de maestro.

Minhas mãos não são bonitas
Minha palma tem tantas linhas que virei piada de cartomante
Essas besteiras que não acreditamos
Meus dedos são pequenos, e afinam nas pontas.
Não deram para violão, nem para clarinete, nem para acordeão
mas isso não é culpa deles.
Seus dedos são compridos e retos
as pontas quase quadradas
seguram o pincel como a uma pena.
São delicadas, eu penso
líricas e inteligentes,
teu retrato.

Pintei de memória uma foto que você me enviou
um cravo que você ganhou numa noite de congada
antes e depois de Otto Dix
Desta vez
um cravo branco sobre o fundo preto do seu moletom (que nunca são tão pretos)
Repassei outras imagens para lembrar das tuas mãos
nenhuma na memória do celular
O amarelo sujou outra vez
como no retrato do Álvaro
você disse que o amarelo sujo é ruim
Os dedos parecem torcidos, mas as unhas ficaram rosinhas como eu queria
acho que meu cravo ficou mais apoteótico que o original
acho que é um reflexo do pipoco que dá no meu peito


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Sobre a autora:

Maria Palmeiro é pintora e mestre pelo programa Artes da Cena da ECO/UFRJ.
Na escrita busca explorar a relação entre pintura e performance em termos de temporalidade e gesto.Nasceu em 1983 no Rio de Janeiro, onde vive.