catálogo de pássaros
Bico-de-lacre
Trazido ao Brasil nos navios negreiros, escapou das gaiolas de D. Pedro e se espalhou. Colecionável. Cabe em pequenos potes de vidro – mais elegantes do que gaiolas. Importante: fazer alguns furos no vidro antes, a menos que o objetivo seja observar a agonia enlouquecida da luta do bicho contra a morte. Não há risco de fuga, nenhuma chance de que batidas de asas ou bicadas vençam as paredes de vidro.
Chifre-de-ouro
Como se um arco-íris feito de carne, ossinhos e penas. Quando se enfia agulhas em seu corpo parece um ouriço respingado de tinta. Vermelha principalmente.
Codorna
Ovos do tamanho de uvas. Ave inocente e tola. Rouba-se os ovos, elas estardalhaçam – se forem selvagens, se ainda tiverem o suficiente de liberdade e fúria para se importar, por isso só vale a pena caçar pássaros não domesticados. É possível enlouquecê-las, abalar-lhes os nervos até o limite: deixando-as numa gaiola de metal duro, sem ter o que ciscar, elas se bicam, abrem feridas no próprio corpo.
Estrelinha-ametista
Tem cor de fogo. Para comparar com mais acerto a diferença de tom entre chamas e suas penas, incendiá-lo.
Marreca-de-coleira
Depois de atraí-lo, prender entre os joelhos e amarrar uma linha grossa ao redor do pescoço. Desenrolar a linha, deixa-lo voar para longe, puxar de volta quando desejá- lo. É possível amarrar vários na mesma linha, mantendo unido um bando, mas é preciso firmeza no braço para manter uma fileira longa.
Peixe-frito-pavonino
Alimenta-se de insetos. É útil ter um em casa, ele pode comer as baratas. Deve-se mantê-lo faminto para que se anime a caçá-las.
Pombo
O mais abundante nesta cidade, o de voos curtos, corpo pesado, que come migalhas de pão nas praças. Pássaro-rato. O mais fácil de capturar: basta uns biscoitos quebrados, um pedaço de pão velho – mesmo quase virando pedra, eles não ligam. Aceitam, confiam, chegam perto.
Quero-quero
Raramente cala a boca. Escandaloso, briguento, se acha um sentinela, grita quando alguém chega perto. Só é possível capturá-lo em lugares desertos, onde ninguém que possa se comover vá escutar os berros.
Saci
É hábil em esconderijos, caçá-lo exige artes de detetive. Tem duas perninhas finas e duas asas, mas faz mais justiça ao nome se uma das pernas for cortada.
Urutau (mãe-da-lua)
Ave fantasma, canta durante a noite. Mas se for enforcado não canta não.
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Sobre a autora:
Caroline Policarpo nasceu em São Paulo em 1996. Cursa graduação em letras. Trabalha a metamorfose na esperança de encontrar um corpo no qual se reconheça. Às vezes tem um pouco de medo de enlouquecer, mas só um pouco.