quatro poemas para o sr. hercovich
1.
cerrei o dedo indicador e embrulhei em papel celofane.
o sr. hercovich receberia o pacote em 3 dias úteis.
foi o que o carteiro me confiou
enquanto eu alisava o membro fantasma
com carinho calculado.
2.
sonhei que regia a orquestra sinfônica do estado de são paulo
na platéia pessoa alguma notava a ausência que eu dispunha
tão perto das mãos, aplaudiam e assobiavam
BRAVO,
BRAVO
!
na cena o sr. Hercovich
sentado na penúltima fileira esperava
a mão esquerda enfaixada.
3.
penso
ceci n’est pas um dedo
mas o nariz coça e eu esqueço.
passei a ter alguma dificuldade em amarrar os sapatos
(comprei chinelos, larguei o cigarro)
mamãe dizia
nessa vida tudo dá-se jeito
ao passo que eu duvidava.
4.
não duvido.
meu silêncio mais dócil reservei aos homens
que aqui sentaram, beberam, fumaram, foderam,
e levantaram-se comigo bem ao lado.
fui bonequinha russa
menina bem portada
abria-lhes o cu e a cona
beijava as pálpebras, ninava.
entre o protocolo e a porta dos fundos.
de novo meu silêncio mais dócil,
ria às piadas, limpava os vidros da sala.
eles amavam e partiam, amavam e partiam.
mas sou eu quem fico, então ficava.
tinha 5 dedos em cada mão
mais nada.
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Sobre a autora:
Natasha Felix (1996) é de Santos. Mora em São Paulo. Foi coautora no livro MOVIMENTO: da palavra ao texto (2013), publicou os zines anemonímia (2016) e j. não é um nome (2017, Selo Manga). Tem textos publicados em plataformas digitais e revistas físicas, como Mallarmargens, Raimundo, Mulheres que Escrevem etc.