o profeta entre e o equilibrista (a sombra)
Zoroastro,
O Sol se levanta
É tempo de ermos, sabemos
Tem-se o interior da caverna, onde se emudece as horas
O solo é abrasado pelo decompor das folhas outras se erguerão
Em algum lugar há fuligens e santos decaindo
Sonatas são libertas estrelas são ab-rogadas
Salienta-se o Verão
A Primavera vai descendo os trópicos deixando os ipês hirtos
O tempo retumba na voz de crânio aberto
O Sol sem flores desmaiando
suas vestes na
] entrada da caverna º
A imensidão fica amarela
O tempo cai nas mãos
Batemos palmas as cinzas das horas flutuam
A serpente arrastando
[o cadáver desce pelos manguezais onde se ajuntam as ternuras/
Os olhos na praça pedem
por moscas e um naco de boa vontade
despachos anunciam os exus trucidando a catástrofe
os remelexos abertos distribuem as
corimbas nascidas
na manha de mato
a ternura nos casarões abatidos
os cimentos decalcados no céu que cai
a vertigem é um pedaço de deus doido
bombeando a atmosfera
ninguém esteve debaixo da mangueira
para receber a bênção em óleo de dendê
o reinicio das lembranças inalteradas
o vergão v subindo pelo tornozelo
contigo houve o choro nas praças
e o inocente cambaleando durante a morte
ninguém soube mas você novamente teve
a alegria de chorar sozinho
de se encantar sozinho
olhe profeta
uma vez mais decolamos na flecha lançada sem destino
a sina é um rodopio aceso sem o passado revestido de orvalho
sem os grilhões que sobrepujaram os caminhos
a lenta exatidão aflorou em seu umbigo
ali nasceu lentamente a árvore que germinou em seu sangue
Iroco
com suas copas ladeadas de feitiços misteriosos
eo verbo pegando santo e não ouvido
pois a palavra é o prenúncio da carne deflagrando os labirintos
olhos de vestes
quadrados imperfeitos
estrelas de ametista encaixadas na noite por vir
tu acordaste no futuro distante
delirando sobre o deserto
tropeçando nos elementos invisíveis que evocaste com atribulações
e depois percebeu que sem passado
a lua poderia ser a escama de sua alma
e o Sol
temperados na vil e inconjunta caserna
não nasceu nada devido em qualquer costela
mas o vil e inefasto veloz desatino
que correu descendo o barranco nas ladeiras enxovalhadas pelo gozo que ainda vinha
o tempo aquecido estirando a canjica derrubada próxima a porteira
passou o caminhão que não acenou
a vermelhidão do barro atingido pela chuva abriu com sangue
a terra bramia em vício e cor
e então ventou levando
as penas
os galos amanhecidos
os bagres entalados no açude
que a velha senhora cabocla lavou suas mãos e ninguém
mas ouvira
tempo algum
cançoneta alguma
as crianças ludibriadas pela infância que rodopiou para fora do alcance
as horas são invertidas
as parafernálias são emendadas na voz de costume
se ajuntam na praça para o picadeiro a corda estendida insinuando a divisão pela tarde e coro
das cigarras
os lampiões na porta da igreja derramam luzes
amotinada que nem cadáveres surge uma faísca correndo a noite
a menina bonita na praça
perdida entreaberta varrida com as luzes salpicando na vertigem
inefável, sua presença é
uma traição escancarada de
cores
ó equilibrista!
seus cantares
são milênios adentro invertidos
uma oração
embalsamada
nas curvaturas do tempo
e do mundo
mas tudo se entorna
na vida e nas horas
como um urro aberto devorando
as praças
e os duodenos
e as flores que cobrem o tétano e a catapora
e talvez
amanhã a tarde se erguera em neblina
todos perdidos com os olhos na palma das mãos
e as luzes que queimam nas lamparinas hão de anunciar o silêncio remoto
o mundo a vagar na escuridão
azulada
dorme
Zoroastro, você tinha que engolir o Sol naquela dúvida
cabeça túmida
salivando sua débil existência
(acima das ondas que se entrechocam metálicas)
descortinada entre
a sombra das eras mortas
urubus flamejantes
em rodopios
sacodem o céu chapado em laranja
estendem suas asas até o amanhecer do outro dia
a grave delinquência dos lavradores
dormindo nos barrancos
encobertos
vilas e sapês desnudos nas velas que derretem
oxum xapada injetando metadona
na liquescência de seus cabelos turvos
que desmonta e expele
a voz trans-inundada
o pensamento aéreo
e a palavara feroz
ó és tu, Zoroastro! coberto de flores e calçando alpercatas de cangaceiros
tua voz que pare desertos e caatingas
um povo se desdobra na luz líquida expelida dos teus bagos
e a canção se desdobra
em redemoinho soltando a vibração do tempo solto das imagens
e um novo multiverso que clama:
ó, Coisas!
*. Do livro Arquitetura do Impossível (não publicado), de Sérgio Ortiz de Inhaúma
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Sobre o autor:
Sérgio Ortiz de Inhaúma é nascido e criado em Inhaúma, Império Barroco-Macumbeiro,Subúrbio do Rio de Janeiro. Torce pelo Mengão, Mangueira e Império Serrano. É autor de Zona da Mata Eletrônica (Editora RBX, 2011), A Guerra de Plástico (Editora Oito e Meio, 2015) e Dioilson (Editora CLAE, 2017).