como soletrar a palavra liberdade sem morder a própria língua
há um vasto comércio ao redor do complexo
penitenciário do gericinó
escritórios de advocacia se espremem
entre dormitórios e lanchonetes
que entregam marmitas em dias de visitas e feriados
há espaço para trambiques
ou entregas mais garantidas que o sedex
você ainda vê tipos com cigarros
atrás de orelhas agindo como estivadores próximos ao cais
torcendo suas bocas na ânsia de bons negócios
há um vasto comércio dentro do complexo penitenciário
um corredor de trocas que se estende do bangu 1 ao bangu 9
um arranjo de mãos que te levam
pra um passeio ao sanatório ou ao prédio industrial
anjos com ânus generosos para seus propósitos
sejam eles de natureza tecnológica ou sexual
os celulares são um meio precário de comunicação
para os que realmente andam sobre os fios
e não necessitam subir em muros para saber onde estão
greves e rebelião
agentes de saúde
agentes de detenção canalizam a atmosfera insalubre
os complexos femininos não possuem nomes de mulheres
há um vasto comércio nos estômagos dos detentos
e detentas do complexo penitenciário do gericinó
muitos fazem disso sua escapatória
já outros só se tornam mais prisioneiros
suas celas ainda permanecerão trancadas
mesmo quando lá
não mais estiverem
***
salt lake city at dusk
o circo está partindo
e quem sabe dessa vez
eu embarque com ele
junto da família de acrobatas
você tinha razão
eu sou um palhaço
cá estamos com um sorriso amargo
acinzentando pelas margens da cidade
como estava o clima quando você deu o salto?
acho que você iria rir dessa piada
por que visitar a capital dos mórmons?
dizem que a vista noturna do grande lago dá uma bela foto
não achei uma droga de fotografia daqueles tempos
quando sujávamos todas as paredes do prédio
com o gesso que arrancávamos das portas
uma só fotografia que dissesse: sim existimos
nessa galáxia em algum momento próprio
e tudo que fazíamos era rir
um da cara do outro
nos sonhos do Roy Orbinson
a palidez lamenta seus perdidos traços de cor
nenhum de nós está mais feliz ou mais triste
estamos exatamente iguais
o universo segue sendo uma casca de avelã
prestes a ser pisada por qualquer um
que mantenha os pés limpos
essas são as boas novas
todos igualmente fudidos
o circo está partindo
há uns que choram atrás dos elefantes
ainda não perceberam minha presença
estou caminhando para um cortejo
com os passos de quem se atrasou para uma antiga festa
você estava certo
não devemos deixar sequer uma foto
pelo o que nos resta de vida
a escuridão é uma bela de uma fotografia
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Sobre o autor:
Marcos Nascimento nasceu na terça-feira do dia 3 de junho do ano de 1986. Vive nos subúrbios do Rio de Janeiro. Realizou atividades de oficinas literárias junto ao coletivo Oficina Experimental de Poesia. Seu primeiro livro, O filho estrangeiro, será publicado no primeiro semestre de 2018 pela Editora Multifoco. No momento traduz poetas punks que viveram em Nova York entre fins dos anos 70 e início de 80. E prepara um projeto de poemas sobre a formação dos bairros da zona oeste.