o dispêndio de tempo é a medida em comum a todos os trabalhos
hoje
se o velho marx soubesse das moscas que zumbem entre as acelgas aqui nesse lugar que se chama saara por ser acrônimo de sociedade dos amigos das adjacências da rua da alfândega se o velho marx soubesse das novidades em modelos de tupperware derreteria seus metais com menos receio e se o velho marx soubesse desse lugar em que se come sem entender a língua que se fala não pensaria ser um erro de compreensão o termo precariado se o velho marx soubesse que nos cardápios online se escreve gyosa mas aqui dioz não acharia tão triste escutar um jovem murmurar vitória do proletariado
ao passar o riocard na roleta das barcas às 11h59
evite murmurações
se o velho marx pudesse ver ao menos uma vez os olhos do manequim desenhados com o pilot da antiga casa cruz saberia que faz parte da luta tatuar um barril no antebraço esquerdo se o velho marx pudesse ver que acima do portão vermelho escreveram deus me fez crescer na terra da minha aflição também amaria – exausto – os rigores
ou as fórmulas do patético
se o velho marx soubesse que ao fundo da galeria do coreano três senhoras compram 83 reais em plantas de plástico nesta loja que tem 3 gatos e nenhuma planta que faça fotossíntese ele riria como uma anciã estéril se o velho marx soubesse que há caixas de som flutuantes e que nelas se enumeram apenas os velhos nomes de acordo com idade e peso ele sentiria um calor se alojar em sua patela
o assentamento da experiência
se o velho marx notasse que o tarbush esquecido sobre o chapéu de palha compõe uma bela sobreposição iria mais vezes ao karaokê se o velho marx soubesse que balas de gynsen combatem o cansaço e que alguém nesse exato instante se decepciona com uma cherry cola se preocuparia em manter os ouvidos mais limpos para as noites de karaokê
sereno acomodamento
se o velho marx soubesse dos lustres na escadaria do agiota não se importaria com a ferrugem em seus garfos se o velho marx soubesse que especialmente nas sobrelojas celebram-se os remorsos ele também choraria no 750
a lista dos andaimes esquecidos
se o velho marx soubesse que para além dos paralelepípedos habitam nomes estrangeiros que transformaram o gesto de comer pizza em um ritual aristocrático ele também abdicaria
das táticas de guerrilha
por uma virtude grave
humores de guerra
se o velho marx sujasse os lábios na espuma de um milk-shake de jóias ele finalmente repousaria se o velho marx soubesse que nos galpões sem laje os rolos de tecido são mais baratos e se o velho marx pudesse abrir sob o sol uma sombrinha de Jaspion com hello kitty ele finalmente seria maior que o rabino anão cujo casaco marrom guarda seu túmulo no cemitério de HighGate se o velho marx soubesse que quando um relojoeiro sefardita lhe vendeu um automático verde limão eu fotografava
gatos em alguma loja de maquiagem ele também diria que não era para acontecer.
***
akg y50 & barcas s.a [mashup]
Se os homens vivem na barriga da baleia
só podem sentir frio e falar
das manadas periódicas de peixes e de muralhas
Antonio Cisneros
Lançar-se para além de si mesma
com essas luvas sensoriais
tocar
o teto sobre o chão
por onde migravam os ônibus
mas isso foi antes
do tombo
e do pulso torcido
antes da escada de incêndio
do edifício estácio
sob o qual se joga o bicho
antes da entrada secreta no Castelo
antes de saber que Brecht
foi enterrado de frente para Hegel
antes de saber
na parede de todas as salas
– Augusburg Munique Berlim Estocolmo Helsink
Hollywood Berlim
leste –
o retrato de Confúcio
tudo que importava era imagem deformada
do ônibus na vidraçaria
da bolsa de valores
ou a ilusão de salas de cinema acessíveis
toda a pele que ¼ de toneladas de explosivos possa levantar
todo artefato arqueológico
revelado
na imprecisão
dos mecanismos
mas os nomes – os nomes de todos os passantes –
continuam inalcançáveis
e foram filhos e foram netos
possivelmente alguém por quem você
se apaixonaria e diria coisas
como a fundação
de um novo império sonoro
a coleção de todos os sinais de alerta
acionados em cadeia para detonar apenas
os pilares
não seria o suficiente
mas bastaria a nós
os 2.512 conjuntos de pneus
com areia e as 2.440 estacas
em tambores
para amortecer o impacto
da queda
ou alguém –
ignorando a primeiro de março –
perguntariam como os tigres
flexionam os joelhos
nos ritos de combate
como é possível um tigre
saltar duzentos e quinze mil metros quadrados
de tela
como é possível um tigre
ser a imagem de duzentos e quinze
mil fragmentos
exaustos
ninguém se apercebe
o léxico bélico em nossas rotinas
cai bem a um lábio rachado
e ele diz: o palácio
está cheio de jovens que praticam
esportes sob o homem no cavalo
ou sobre a mesa de jantar
você pode repousar
no campinho do Lênin
a partida entre os derrotados
ninguém está triste
a imaginação é plástica
e o princípio estoico
ela diria: o artifício da eliminação
é um reflexo defensivo de todo especialista
você conta os concretos
dos bancos você conta
os concretos erguidos
você conta 10 mil toneladas
pavimentaram um templo
mas isso foi antes
poderíamos ter compartilhado
da mesma maionese
e rido do naufrágio de Thémis
não seria o suficiente
quem sabe
alguém venha lhe perguntar
por que o monumento ao império
não antecedeu ao batismo
em homenagem à república?
você não explica os saltos
a incerteza da juventude
isso foi antes
dos atalhos pela Mario Lago
a relevância dos mapas
perder-se com esmero, diriam
650 operadores de tráfego
se os nomes infinitos
e a língua
inevitável
o sangue em sua jaqueta
e o hálito em sua jaqueta
que queimam os olhos
tudo bem
ninguém se lembra
toda a noite de todas as 3 noites
o ruído dos pés e o gatilho das bombas
entre o gás
eles corriam sob a bandeira de são padre miguel
salgueiro ou grande rio
procurávamos pelos hospitais
antes
de vermos a primeira metade caída
a segunda metade caída
o fosso entre a estação e
os prédios históricos
comecei a priorizar os transportes marítimos
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Sobre a autora:Júlia Manacorda 1991, Niterói. King Krule > Mac Demarco. Flat white, mas, às vezes, coado.
