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dois poemas

por Matheus Torres


ulisses talvez

encontro neste silêncio um lembrete
preciso outra vez separar as cuecas
vender os olhos dos gatos ao joalheiro
comprar uma única passagem sem volta
com destino ao rooftop dos labirintos
distantes onde você tão delicadamente
sorve laranjas e tomates com vodka e prosecco
e das suas pupilas enormes um coelho
convida garotos para adentrar o buraco negro

preciso reservar uma porção de saliva
te explanar com palavra feito serpentina se desenrolando
sem final sobre o conceito de saudade implícito
na parafina nos gargalos das garrafas de gin
usadas por você como castiçal pras suas velas
uma outra porção pra regar as uvas plantadas
bem no fundo da sua garganta e te dizer
em audível e bom som Sim e Com certeza
e todas as gradações de amor entre uma afirmação e outra

mas hesito e não parto de Ítaca

este silêncio me lembra que lá fora você é livre

***

godot em noite de climão

ele chegará mascarado disse a cartomante
sabendo mais do futuro no esmalte descascado
vendo além do corcel e seu menino de flama em mão
ao lado duas taças mais outra eros e psiquê honeymoon
penso em ana e as cartas que não mentem jamais
mas eu que de mentira em mentira faço acrobacias
aguardando na mesa o próximo drink o tropeço
da sua cara sob essa cena de um antigo ato
o espetáculo foi ótimo embora pouco te vi
imagino sua mão gordinha na vara do violino
digo vara pois muito burro pouco erudito puro simulacro
confesso pensei em esconder música clássica nunca
ouvi apenas no rádio por acaso trocando a água do aquário
decorei e repito outra vez a canção de amor do velho J.
let us go then you and i mas você também não foi

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Sobre o autor:

Matheus Torres, 25, é poeta, graduado em letras e mestre em estudos de literatura, ambos pela Universidade Federal de São Carlos. Nasceu e reside em Piracicaba, interior de São Paulo. Publicou, em 2014, a coleção de poemas  Arquitetura do Cais pelo Selo LOID. O sol é em aquário e odeia risotto.