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drežnica

por Anna Azevedo


 

Ao lançar “Drežnica”, pessoas me perguntavam o significado do título. Desenvolvi, então, uma sinopse que tratava de desvendar o mistério. Dizia assim: “Drežnica é o lugar onde a neve encontra o mar. Os dias são repletos de estrelas e as noites cobertas de sol. Mas somente ao não ver conseguimos percebê-la. Um filme construído com arquivos caseiros de super 8 dos anos 70. Uma lírica jornada através das imagens e sensações reveladas pela memória e pelos sonhos de pessoas que não enxergam”. Fábula. A sinopse era uma armadilha, prometia uma vereda em um filme-nevoeiro. Drežnica é um convite ao nada, a entrarmos na tela tal qual cegos sem bengala. Já no título somos lançados em meio às brumas das nossas cegueiras tantas na esperança de que só nos perdendo muito é que conseguimos nos encontrar. Drežnica foi um lançar-se no quase-breu, conversas infindas traçadas sem muito ver, mas extremo sentir. Tatear cada frame, fruir cada textura, cada arranhão, cada fungo, guiar-se pelos ruídos, pelos aromas, pelos rastros, pelo tal de... “é um sentir”. Confiar. Aproveitar a estranha lucidez do estado de não enxergar nada muito bem – mas se emocionar profundamente com o que é possível perceber ao redor – para encarar a nossa dificuldade de vencer as cegueiras – muitas, abissais – que se instalam em nossas vidas. Drežnica, penso eu, é um filme sobre os esconderijos da alma, que a bruma, vez por outra, num instantâneo de tempo, descortina.

 

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Sobre a autora:

Anna Azevedo é cineasta e jornalista. Mestre em Cinema pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Seus trabalhos são esteticamente identificados na fronteira entre o documentário, a ficção e o experimentalismo poético. Filmes exibidos e premiados em importantes festivais internacionais de cinema e instituições de arte, como o MoMA (Nova York), Sommerset House (Londres), festivais de Berlim, Rotterdam, HotDocs (Canadá), CPH:DOX (Dinamarca), Cinema Verité (Irã), Sheffield (Inglaterra), entre outros. Atualmente é artista residente do programa Living Archive, do Arsenal – Institut für Film und Videokünst – Berlim. Em 2013, exibiu a obra “O
dia do caçador” na Bienal Internacional de Artes de Veneza, vídeo que integra o trabalho concebido pelo artista visual alemão Harun Farocki, “Labour in a single shot”. Em 2012, fez parte do grupo de 30 artistas cariocas convidados para exibirem trabalhos em Londres, durante as Olimpíadas, a Rio Occupation London. Em 2006 , ganhou o Berlin Today Award, prêmio de melhor filme concedido pelo Talent Campus do festival de Berlim. Voltou à Berlinale em 2008, concorrendo ao Urso de Ouro de Melhor Curta-Metragem com Dreznica e em 2017, com Em busca da terra sem males, na mostra Berlinale Generation. Foi três vezes indicada e duas vezes vencedora do Grande Prêmio do Cinema
Brasileiro, na categoria curta documental. Estudou roteiro na Escuela de Cine y TV de San Antonio de Los Baños, Cuba; fez curso de Direção Cinematográfica com o realizador iraniano Abbas Kiarostami; participou do Talent Campus do Festival de Berlim.
Participa, a partir de abril, da Bienal do Mercosul com o vídeo “Nossa vida não é um jogo”.