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O galo cantou na madrugada da Lapa

por Gilberto Porcidonio


O galo cantou na madrugada
mas a Lapa não escutou

nem o bêbado expulso do bar com água de sabão na canela

nem o taxista que quase bateu tentando cantar a mulher
que andaria até a Glória porque bebeu a grana da passagem de volta

nem o travesti que não viu o desnível do meio-fio e quase quebrou o salto vermelho da amiga que viajou para a Itália só para comprá-lo

nem a patricinha que se acabou no samba com o cara interessante com sotaque de Recife e resolveu sair da festa à pé segurando na mão o mesmo tipo de salto que a prostituta usa

nem o funcionário da loja de material de construção da Rua Mem de Sá que dormiu no ônibus quatrocentos e dez Praça Saens Peña – Gávea e acordou esbaforido em plena Praça da Cruz Vermelha depois que um ambulante lhe ofereceu uma bala como prova do seus produtos ofertados como o passatempo de sua viagem

nem o garoto gago de quinze anos que aparenta ter doze e vendia chicletes atrás da rua dos arcos e ganhou batata-frita fria do gringo espanhol que passou mal depois de beber tequila batizada pelo ambulante que comprou um smartphone roubado e vendido por quatro reais por um usuário de crack que faz de dormitório o teto de uma banca de jornal na Rua do Lavradio e sempre vai embora antes do sol raiar para que o dono não o veja e resolva chamar o seu amigo policial aposentado que trabalha como segurança em um inferninho para dar um sumiço nele

O galo cantou na madrugada
mas a Lapa não escutou

e nem ele