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meiofio

por Guilherme Conde


se eu corresse agora daria tempo de alcançá-la antes que ela saísse pela porta, mas não corro, finco meus pés o máximo que posso no chão, como se algo me puxasse pra fora pro alto pra longe, enquanto ela caminha, o quadril mexendo a cada passo sensual, coisa felina, se eu corresse agora daria tempo de alcançá-la antes que ela chamasse o elevador, mas não corro, acendo um cigarro, começo a calcular o tempo que durou o discurso dela, o meu os nossos o silêncio que se arrastou depois dos choques, da luta das palavras no ar, entre nossos rostos, por cima dos copos, se eu corresse agora daria tempo de alcançá-la antes que ela entrasse no elevador, mas não corro, sento, apoio os cotovelos na mesa, os dedos nas têmporas, olho meu reflexo na cerveja de meu copo e o dela vazio, estremeço, se eu corresse agora daria tempo de alcançá-la antes dela entrar no táxi, seguraria sua mão, não vai, fica comigo, eu não quero que você vá, você também não, vamos nos acertar, é que tá tudo tão difícil, você disse, eu concordo, eu ainda tenho tanto a dizer, você também, temos tanto pra falar, pra ouvir, é dialética, fica, vamos resolver,  não é possível, algo tem que dar certo, por Deus, que eu também preciso, precisamos, eu, você, mas fico parado, o nó pelo meu tórax, uma amargura sólida por trás dos olhos, fumaça empesteando o ar, encho o copo, eu já precisava correr, há muito tempo, entre todas as falhas, faltas, vazios, espaços brancos, espaçamento entre linhas, intervalo, correr muito, sempre no risco de cair, de ser puxado, atraído pelo solo que eu percorria, percorreria, evitava, evitaria, já fazia tempo que não corríamos, não corríamos um até o outro, dávamos voltas sem fim pelos apartamentos pelos quartos pela cidade, enquanto as luzes todas passavam entre nós, as palavras morrendo entre os dentes, as falhas do aparelho fonador, quedas constantes, distantes não é só nosso o problema, ela dizia, é tudo, não nota? tudo errado, não sei dar mais bom dia, meu bem, isso não existe mais, a gente superou a utopia e caiu em algo bolorento, eu não conheço a viciada em coca-cola que todo dia pega o mesmo ônibus que eu, entre às 9:00 e 9:15 da manhã, com uma garrafa 600ml e um livro ruim debaixo de cada braço, suspirava, meio que rindo seca enquanto acendia um novo cigarro e continuava, concluía, nas teclas que agora vou moendo, ninguém, meu bem, corre mais até ninguém, só corremos sempre entre, nos hiatos, lacunas e vãos, imprensados, por meio milhar de coisas tão solidas quanto esse piso, mas tão frágeis, meu bem, tudo tão frágil, eu poderia me lançar em queda tão longa, tão certa, pra evitar os tropeços, esses de quando se corre, entre tantas paredes, no labirinto, enquanto em cada esquina, procuro ela, mas só vejo aqueles sinais e lembranças, talvez ela ficasse sabendo ainda hoje, olharia com culpa pra si mesma, derrubaria lágrimas, sim, fumaria, pra caralho, permaneci sentado, levando o copo à boca, tragando o fim do cigarro, e pensando o que a TV reservava pra mim naquela noite