SEÇÕES

A partilha do sensível

por Juliana Travassos



de Jacques Rancière
com tradução de Mônica Costa Netto
e coedição de Editora 34 e EXO experimental org.

        modernidade, modernidade, modernidade. Ou outra coisa pra Rancière: o regime estético das artes. Rancière é filósofo, fala sobre as artes e a escrita, e tem cerca de sete livros traduzidos para o português, inclusive este, A Partilha do Sensível, pequeno mimo de porta-luvas que achei em um caminhão em que tomei carona quando ia pra um lugar qualquer de paisagem e imagem bonitas. Entre os outros livros do autor, gosto especialmente deste pela circunstância de sua escrita: é um livro-entrevista, onde o autor esclarece grande parte de sua teoria respondendo a dois jovens filósofos, Muriel Combes e Bernard Aspe, para uma revista francesa, a revista Alice. São cinco questões colocadas que resultam neste escrito, e todas rodeiam – e acertam em cheio – as considerações de Rancière sobre estética na modernidade.

       O que mais pulsa neste e em outros escritos do autor é seu pouco interesse no termo modernidade e na oposição crua que tem se estabelecido entre este conceito confuso e outro mais confuso ainda, o de pós-modernidade. São noções que, segundo Rancière, não esclarecem o pensamento sobre as novas formas de fazer arte desde o século passado, e confundem duas coisas diferentes: a historicidade própria a um regime das artes em geral e as decisões de ruptura ou antecipação que se operam nesse regime. O autor nos apresenta, então, três regimes de identificação da arte: o regime ético, o regime poético e o regime estético. Cada um deles diz respeito a um modo de fazer artístico que se constituiu em certo momento histórico. O que comumente é chamado modernidade passa por uma problematização e se redefine como regime estético das artes:

A este regime representativo [poético], contrapõe-se o regime das artes que denomino estético. Estético, porque a identificação da arte, nele, não se faz mais por uma distinção no interior das maneiras de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos produtos da arte. A palavra estética não remete a uma teoria da sensibilidade, do gosto ou do prazer dos amadores de arte. Remete, propriamente, ao modo de ser específico daquilo que pertence à arte, ao modo de ser dos seus objetos.

       A própria ideia de uma partilha de um sensível, que dá nome ao livro e, aqui, eu resumiria muito superficialmente como uma nova maneira de entender o reflexo e a recepção histórica das artes, serve para esclarecer o entendimento e as relações desses fazeres artísticos. Na nota da tradução, vemos o seguinte trecho retirado de um outro escrito do autor, Políticas da Escrita, que esclarece um tanto a ideia:

Pelo termo de constituição estética deve-se entender aqui a partilha do sensível que dá forma à comunidade. Partilha significa duas coisas: a participação em um conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível é, portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas.

       Este meu pequeno achado parece, em um primeiro olhar, algo que se deva ler depois de outros escritos do autor, porque responde a questões que se fizeram necessárias graças a estes outros escritos anteriores. Paradoxalmente, é exatamente por isso que eu diria que é um ótimo começo em Rancière.

       A Partilha do Sensível foi publicado pela Editora34 e pela EXO Experimental primeiramente em 2005, reeditado em 2009 e reimpresso em 2012. E custa cerca de vinte reais na Estante Virtual