tentativa um:
Estava de carona em uma estrada qualquer e eles me perguntam: o que leva nos bolsos? onde estão seus documentos? – Literatura não é documento – respondo. Atravesso esses muros faz cinco anos, sempre levo comigo alguns escritos de papel velho. Por que eles me fazem estas perguntas agora? Os muros são a fronteira, o limite que permite contato entre mundos: fora, estão os marginais, os deformes, feios e intragáveis; dentro, estão os livros ilustrados, as capas duras, os títulos de honra. Os homens que me abordaram tinham o rosto familiar e tranquilo, e me perguntam: o que faz aqui? – Eu vivo aqui há anos, respondo. Explico a eles que tenho duas casas, uma fora e outra dentro, e atravesso deste lado pra aquele, e daquele pra este diariamente. Dentro, aprendi sobre uma longa tradição da qual gosto de inventar que faço parte, uma tradição de viajantes, de gente que cruza fronteiras. Me disseram que o mais antigo deles se chamava Ulisses de Homero – gosto desses nomes duplos que impõem respeito – e depois me falaram de outros homens da tradição: Vasco da Gama de Camões, Macunaima de Mário, Meursault de Albert Camus, Opalka de Stigger, Sal e Dean de Kerouac, Marco Polo de Calvino. Levo esses nomes comigo sempre que saio. E foi fora que de fato os conheci. Compartilho, independente de onde esteja, essa sensação de estrangeirismo, de errância, o inesperado, a liberdade.
Quando se vive sob a espécie da viagem, o que importa não é a viagem, mas o começo da. E o começo da viagem está todo aqui: arranjar uma mochila leve onde só caiba o indispensável, subir na garupa da grande bicicleta, na caçamba do caminhão, e ir beirando as fronteiras, os muros que me proporcionam o contato.
O coletivo editorial garupa nasceu dentro dos muros da Unirio, em um laboratório de práticas editoriais. Desde o início, já sabíamos que ele não se conteria em permanecer em sua cidade de origem, era coisa inquieta. E então, implodimos as margens da academia com aquilo que nos sobrava. Nós, estudantes e pesquisadores de literatura e artes, antes de entrar na biblioteca, estávamos em pé no ônibus cheio, em um engarrafamento na zona oeste do rio de janeiro.
tentativa dois:
Este editorial é uma espécie de viagem.
Nosso coletivo, inicialmente formado por alunos, surgiu em um estágio supervisionado dentro da Unirio. A revista garupa é a nossa primeira produção: uma revista literária eletrônica semestral que acredita e propõe construir consciência crítica. O que queremos é movimento e reconhecemos que não há início ou fim. O que existe é uma viagem-tentativa. Reconhecemos e respeitamos os cânones, mas a nossa busca está no estrangeiro – é pelo inesperado, pela errância, pela liberdade.
O nome garupa vem da ideia do viajante, de uma identidade móvel, sem fronteiras. Afinal, que diferença tem entre poema em prosa e prosa poética. Isso não significa que desconhecemos o nosso contorno. Esta primeira edição é composta por escritos de todo tipo; textos na divisa de gêneros e formas. A construção visual da revista também é mutável. Um novo ilustrador será convidado a cada edição para assinar as imagens. Mobilidade: dar potência às ideias está no ato de ler e depois desviar o olhar para fora.
tentativa três:
movimento;
o olhar que não se prende
paisagem-borrão
janela do trem. centro da cidade
sistema nervoso. notícia de jornal
olhar-móvel. palavra-valise.
mochila-casa. roda-gigante
linha-reta. novo-sol
fotografia-carne. retro-desejo
filme-composto. objeto-ânsia
câmara-nua. plano-sequência
estudo-mundo-navegação
desprendimento
acaso
aceso
grande
acerto des con s tr uç ã o
um lance
de
dados
em
cima
da mesa
ponto & vírgula
estanque
o lugar dentro da gente
não posso dizer tudo
mas posso dizer que
a impressão da vida
a sensação
nula do mundo;
concreto, massa, rosto, gente. e tal
nomadismo.
esvair-se em um mash-up
rua que não acaba
contínuo algumlugar
encruzilhada moderna
fiz daqui o meu estar
(o verbo estar é diferente do verbo ser em português)
população solitária
estrangeira
eterna
sensação
qualquer montagem
é narração;
e interferência.