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nº 22

por Marcel Fernandes


FRAGMENTO VOYNICH

o próximo amor virá do espaço
precisamente de kic 8120608
curvará o sol em um clique
em dois ressuscitará os mortos
diz a profecia que ele escreverá ficção
trará uma herança nas pernas cruzadas
dará aos pobres de espírito esferográficas
nas pálpebras carregará rolos de kraft
será revolucionário
abolirá o uso de calças legging
substituirá os mágicos por bexigas azuis
dará aos pesadelos bilhetes pornôs
por fim, quando tomar consciência da vida
bordará falsos poemas nas nuvens
e cobrirá o mar de insignificâncias

***

PONTO DE NÃO-RETORNO

resulta
em
absurdos
matemáticos
distorções
entrópicas
de
tal
ordem
que
não

linguistica
avançada
que
o
descreva
nem
fórmula
física
que
o
explique
ou
matemática
que
o
calcule
até
mesmo
a
velocidade
da
luz
por
ele
é
descartada
nem

velocidade
possível
para
libertar-se
do
seu
campo
gravitacional
chegando
em
seu
horizonte
de
eventos
toda
e
qualquer
matéria
será
influenciada
por
sua

força
significante
haverá
fricção 
significativa
e
o
corpo
será
propulsionado
ao
ponto
de
não-retorno
essa
ação
fantasmagórica
a
distância
foi
denominada
pelos
cientistas
de
amor
e
figura
entre
os
grandes
mistérios
da
humanidade

***

VENTO SOLAR

ah!, se tudo fosse
tão somente fosse
poeira, vento e euforia
fosse um código novo
uma língua morta
um canto de t
etrapodophis amplectus
se tudo fosse fio de prata
um buraco de minhoca imaginário
aspectos da matéria bruta
fosse um batimento cardíaco musical
uma primavera de orgasmos
um maníaco playground
fosse um vestido branco
tecido com as linhas de nossas mãos
um terremoto de sentidos
expelindo o gozo dos primeiros dias
fosse página de ar puro
cheiro de terra molhada
fosse o som antes do grito
uma epidemia dourada
fosse a morte de uma hipernova
a transmutação do cosmo
ah!, se tudo fosse um rabo de fora
apanhando a brisa de um sopro meu

***

BURACO NEGRO

a culpa é desse medo
esse monumento caído
achando que é bandido armado
desejando estourar nossos tímpanos
gargarejando obscenidades
desfazendo sonhos como castelos de areia
a culpa é desse peito frio
dessa inércia momentânea
estúpida
a culpa é desse pesadelo íntimo
que nos arranca as cicatrizes
que de nossas memórias
faz sanfona
e se ergue completamente vazio
a culpa não é nossa
é desse breu nos olhos
repertório superficial
girando sem eixo
a culpa são dessas
pedras brilhantes
virtudes escorrendo do peito
a culpa é dessa coragem desvairada
melancólica prateleira vazia
a culpa é dessa comoção eterna
dessa gente bicho
dessa consciência inexistente
a culpa é dessas bandeiras
territórios do poder
maléficas fábricas de precipícios
em corações desavisados

***

GRAVAÇÃO DE ÁUDIO DA NAVE EROS CONTENDO O RELATO DO ASTROUNAUTA FILOWS BASQUIAT ATRAVESSANDO UM BURACO DE MINHOCA, EXATAMENTE NO MOMENTO ONDE O FLUXO ESPACIAL MUDA INVERTENDO O TEMPO

10h32 p.m. |na terra|
1.545 majoris |no buraco de minhoca|

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||fim da transmissão

1.545 majoris |no buraco de minhoca|
na terra, se passaram alguns milhares de anos e os humanos evoluíram para pulgas e não contam mais as horas

***

LUÍS XIV

lembro-me dos teus pés
uma gritaria assoviada
um impacto de corpos celestes
perfurando as camadas
congeladas da memória
lembro-me dos teus pés
e dos teus extravagantes sapatos
topografando as esquinas
desviando grandes rotas
lembro-me dos teus pés
dos planetas não explorados
e do plutão vermelho
que carregava na boca
te apelidei de luís xiv
por isso resisto caminhar descalço
resisto às guerras ganhas
resisto às mentes sem trajetória
ouvi dizer que teus
pés descascavam |eu mesmo disse|
a desidratação
não era a causa mais provável
a causa mais provável
era a falta de histórias
histórias aplacam
sofrimentos morais
te apelidei de luís xiv
e nem salto você usava
pensei num
açougueiro egípcio
só eles usavam plataformas
para manter os pés longe da sujeira
você era sujo, definitivamente sujo
era um ser fictício
igual aos pastéis de feira
em dias de domingo
lembro-me dos teus pés
atravessando o percurso
entre o ponto |a| e o ponto |b|
a água do mar
encobria tua imagem
estourando em bolhas
teus lábios molhados
lembro-me dos teus pés
depois de anos sem ouvir teus passos
meus punhos ainda
pronunciam teu nome
nevando minhas noites apócrifas
lembro-me dos teus pés
entretanto a cosmofísica
não explica as cavidades
subcutâneas das minhas lembranças
desde o rebaixamento de plutão
o sistema solar passou a ter oito planetas
não obstante
a suposta existência dos teus pés
tuas órbitas estranhamente alongadas
teu salto alto e os 4,48 bilhões
de quilômetros de distância do sol 
podem mudar essa história
lembro-me dos teus pés
e das caixas de salto alto científicas
não percebemos os
1.400 anos-luz
de distância do solo
a gravidade nunca te equalizou
e sobre teus dedinhos
minha língua insinua mentiras
lembro-me dos teus pés
do esforço para manter o equilíbrio
dos abismos que construía
entre o estômago da lua
e dos velhos poemas à beira-mar
naquelas tardes pedia-me asas
órgão do voo dos poetas e dos lunáticos
lembro-me dos teus pés
da sacra histeria
da deliciosa indecência
e da equação que fazia
tentando arrancar o corpo do chão
extremidade dos membros
inferiores me assusta
lembro-me dos teus pés
enterrados nos olhos
revelando a beleza da pura filosofia
dreams of a final theory
lembro-me dos teus pés
porque de você, luís xiv, eu não lembro