SEÇÕES

nº 13

por Carla Oliveira



carla oliveira
e eu diria 
slow down, crazy child
se tivesse coragem de aconselhar prudência a alguém

oi monstro
que voz bonita

quando o êxtase é inoportuno
finja uma grande calma
todo enlevo logo termina
cante: quem sabe -

eu digo
42 anos é uma idade ótima pra se gozar com o amor
eu digo
enquanto vêm à tona as tatuagens de cadeia
os corações de galinha translúcidos
mas na verdade tudo se resume
a uma simples vontade 
de

diga: dinheiro há, mas com ferrugem
diga: luar não é propício pra fugas
a linha que me separa de você tem a forma de um pavão

saiba em espanto como
se toma a própria loucura
nas mãos

guarda.

carla oliveira

essa cela, Ana
essa cela
cujas grades são feitas de flechas pretas de ciúme
e não há uma réstia de sol
mesmo se estando em Bangu ao 12:50

esse dedo, Ana
o seu dedo direito
e os cinco dedos do seu pé direito
pintados de esmalte cuja cor se chama "preguicinha"
o seu pé direito sobre a minha cabeça
um talismã

você sabe, Ana
que amei outras duas Anas além de você
(e uma com dois ns)
fora a Akhmátova e a Pavlova
são 5 Anas
+ 5kg de plumas
+ 17kg lantejoulas
+ 20kg canutilhos
+ 1 dúzia de roupas de cisne
+ algumas antimusas incontáveis
+ 1 coração de galinha
pois convém à Anas adereços
como Carolina, Amélia, Catarina, Paula, Lucia, Maria, Julia
ou Fabia, Lucia, Cristina, Flavia, Lilia, Maria, Julia
nesse caso com Ana no final
um sufixo de Ana

você já viu um pombo morrer, Ana
você já viu uma pessoa morrer
não de uma flecha preta de ciúme, mas de tiro, do coração, de texto, de cisne

aqui não posso ler livros, Ana
por isso faço listas de compras e de coisas que quero lhe contar que vi
mas meus pequenos olhos, meus moinhos sem asas, viram poucas coisas
você sabe que eu passei semanas entrando em farmácias para pesquisar cores de esmalte

você sabe que eu nunca me esqueci da menina que perguntou se a sua saia cara de linho rosa era feita de pano de chão
metáfora is the new pano de chão, Ana, você sabe

há um esmalte que se chama "bicicleta sem rodinha"

há que se ter cautela com essas pessoas que dão nome aos esmaltes e ao amor

tudo isso, Ana, tudo, você sabe.


***


vamos estudar o cansaço do sábado
ver que uma vírgula pode matar um amor
admitir que um escafandro pode evitar certas preguiças
elucubrar a perda de um dente e de um gol
vencer a existência de um deus que se expande, rechonchudo e triste, enquanto você dorme

vamos estudar a perda de um dente e de um gol que pode matar um amor
admitir que um escafandro pode evitar a perda de um dente, de um gol e de um amor
elucubrar que a perda de um dente, de um gol e de um amor tem a ver com vencer a existência de um deus que se expande, rechonchudo e triste, enquanto você dorme
admitir o cansaço do sábado

vamos estudar
dorme

admitir que um escafandro evita o cansaço do sábado
vencer uma vírgula que pode matar o amor
elucubrar

vamos
a existência pode matar
um dente pode matar
um gol pode matar
um deus pode matar
o sábado pode matar

dorme

você pode morrer dormindo
você pode evitar a existência de um deus que se expande, rechonchudo e triste, enquanto você dorme
você pode cansaço
você pode escafandro
você pode gol
você pode dente

o sábado rechonchudo e triste
um gol rechonchudo e triste
a preguiça rechonchuda e triste
você dorme, rechonchudo e triste, enquanto eu penso em um dente e estudo um escafandro para matar uma vírgula que pode te evitar

o cansaço se expande.

***