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editorial


     Para atravessar a rua é necessário prestar atenção aos carros que não estão vindo, olhar bem no olho do motorista enquanto os braços e as pernas chacoalham e se debatem ordenada e sincronicamente com o único objetivo de levar sua massa de corpo até lá. Sim, a sua massa de corpo. Para chegar onde precisa ir, o corpo inteiro deve se chacoalhar e se debater de forma ordenada e sincrônica, passando por toda sorte de calçadas, ruas, ruelas, largos, quarteirões, praças, subidas, transversais, parques, descidas e serras. 

Andar na garupa requer outro chacoalhar

requer um trajeto:

passar          a pé 
por mais de       três postos
e descobrir que     o cigarro que você
tava procurando     vendia
mais perto ainda       descendo
                                                 a
                                                    rampa
                                                           da
                                                              sua
                                                                  casa

     Seguir em frente torcendo para que o caminho te leve de encontro ao jornaleiro e que chegando lá vocês tenham uma conversa morna no meio da tarde enquanto todo o trânsito passa sem pedir licença pra você ou para ele.

- Acender esse cigarro agora passa a ser um ato de resistência contra o tempo. -

requer outro trajeto:

     A pulsão de mudança, trabalho em cima da hora, o poema, o vídeopoema, um ciborgue e o limiar. Durante todo o processo de abertura de chamadas, seleção de textos, revisão, preparação e o contato com os autores, essa edição nos pediu um pouco mais de paciência. Contém aqui mais de uma tradução, seguindo o embalo da última publicação. A garupa sai agora de sua zona de conforto. É preciso ler o espaço e ter definido o fim do seu corpo e o início do outro. O trânsito não espera e nem deveria. É preciso continuar, e mais, é preciso perceber a cidade.

E requer outro:
E outro
E outro

     Entre o centauro e o cavaleiro nasce a sexta edição da revista garupa, entre esse início e fim de um corpo, entre essas margens que se borram quando se atravessa um bairro. Cada morador deste bairro se posicionou em uma casa, numerada, com CEP, endereço fixo. Fundos, quadras, zonas, territórios. Aqui os poemas são vizinhos dos vídeos, que moram junto com as traduções, os cortes nas margens da literatura & as artes. Sentimos que vivemos numa bolha, onde todos leem poemas, frequentam saraus e compreendem festas populares como movimentos políticos, de resistência e reafirmação de uma identidade. Diferente da nossa edição zero, nosso marco inicial, que se pretendia um para fora dos muros, das grades e das atenções universitárias, este volume se pretende uma percepção de parceria, unidade, um convívio com os nossos. Não vamos nos fechar, criar grupos rígidos e impenetráveis, mas estabelecer laços próximos. Fortalecer o quartel general é importante para a batalha. São tempos difíceis para a literatura.

Os ataques surgem

de
todos

os lados:
da política
do mundo
da cidade
da falta que nos cerca e o tempo todo nos tenta impedir de atravessar
as ruas

a garupa diz não.

     Dizemos não todo o tempo, mesmo tropeçando, tendo que bater em portas, angustiados e pensando em desistir. Dizemos não às regras, às cobranças da vida adulta, ao tempo que nos engana. Dizemos não para mantermos viva em nós a mesma chama que nos levou a começar isso tudo.

     Engraçado, isso tudo agora parece tão grande. A edição seis, quadra nove, da revista garupa é uma tentativa de reunir o que construímos nesses 3 anos de coletivo editorial.