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[4 poemas]

por Julia Raiz


mulher-novelo

sou pantera fermentada
cresci por cima dos parques das cidades
mijei em prédios de trinta andares como se fosse um canalha que bebesse na
rua
maturei mundo em sete saltos
bebi de nove quedas
acabei com metade dos moinhos numa cochilada
fiz chover de três a quatro vezes ao dia e não sinto
eu choro
eu choro
eu choro
talvez eu sangre mais
a terra é o único lugar
da minha cabeça onde não existe oco
se você enfia a mão na cumbuca
na caixa do mágico
se você enfia a mão no sapato
na tesoura
se você enfia a mão no escuro
dentro de você
é um caminho sem volta

2

Onde ela vê bonito em ser resto de estrela eu vejo
Caminho de volta os dentes de jacaré que refletem branco
No vidro nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca
Vão me deixar em paz
Porque se eu volto vaga-lume ele volta o preto do besouro
Se eu volto cuíca ele volta ondas cerebrais
Nos experimentos do Dr. Südhof eu me sinto incrivelmente motivado
O suicídio já não é mais uma opção viável, Bianca
Eu estou agora mesmo olhando pro gramado do vizinho
Um mini disco voador pavoneia sua pane elétrica
Como se a gente ainda estivesse num filme dos anos 80
Chamarei as autoridades responsáveis?
Repensarei o Lamarckismo? Eles me assistiram
Todos esses anos durante o banho eu sabia
Que os donos do universo são lâmpadas com mal contato

3

A gente vive gata
Exprimida contra a parede o instinto é um
Deus um airbag que estoura na sua cara
Quando você mais precisa o bucho
Expande contrai expande
Dilata sentada com um par de mãos dois pés desalmofadados
Temíamos que ela cruzasse as pernas para ler o matutino
Como fazem os chefes de família antes de dar à luz
A poesia é toda um reproduzir do
Parir das gatas seus quadris parideiros
Convulsão um tocar primeiro o inanimado
Negar quanto puder
Afago

4

há quem te chame samurai
ontem no ônibus eu vi uma pessoa sentada 
no assento para cadeirantes me apaixonei 
o cotovelo tatuado com bolas pequenas grandes bolas 
circulares como campos de força e a camiseta preta 
que minha avó usou antes de partir eu mergulho 
no seu lixo eu dou rasteiras na minha irmã 
pelas melhores peças eu presumo eu predicto
talvez alguém com quem eu sonhe morra: 
é preciso contar todos os detalhes todos os dias 
anotá-los num caderno eu menti 
me perdoa
seu terço não estava abençoado por Nada
ele veio disputando espaço com os chocolates 
o shampoo para caspas
de cabeça senhor onde eu fui parar se não consigo passear com você mestre