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[5 poemas]

por Fernanda Morse


cat power

quem canta para o lobisomem
e para a lua é quem
abre os braços para
a queda e canta
como quem dói por gosto
eu te vi
chorando ali junto
comigo abraçando
o monstro comigo
você é minha amiga
sabe?
você é

                 ***

nossas ruínas
estão na garagem
como as outras
também estão

a porcelana
já quebrada
depois de tanto chão
é quase pó
o teclado sem som
e o som
também está
numa caixa
as roupas da mala
nunca saíram
os livros amassados, os livros
são quase tudo o que tenho
e a cama na vertical
já foi um leito
hoje espera pra deitar
muito cansada
sabe que só dorme
quando alguém
for embora

***

dois

I

agora faz frio preciso de meias
preciso também de um cigarro
e do casaco que repousa sobre a mesa
antes atirado entre lençóis
como você entre os lençóis azuis e fronhas
que te encostam e o casaco branco
que te veste

agora faz frio de verdade e o que preciso
é do casaco branco que te veste
antes vizinho da suéter laranja
agora aquecido por lençóis azuis e braços
preciso dele é mais quente mais
terno me acompanhará com teu cheiro
e, tendo sorte, com fios de teu cabelo

I

agora anoitece e a casa
toma este filtro cinza frio
como se estivesse vazia
sem ninguém para acender a luz

no entanto estamos dentro
cada um em seu cômodo solitário
imóveis

***

lhe escreveria melhor se não só de armas me dispusesse
mas de coragem

um filme sobre a guerra não finda a guerra
um livro sobre a guerra vinga quando se trata de outras batalhas
este é um conflito íntimo, intratável
em linhas que se leem no intervalo
no fim de semana no carro em dia de semana
impossível escrever para que se leia melhor
não começar
se enterra assim
acaba

***

nem sempre a intenção é clara
mesmo assim o desejo aporta

algumas palavras são proibidas
e algumas cores inapropriadas

virginia woolf invejava
os primeiros falantes de uma língua

os primeiros falantes de uma língua
fazem dela o uso mais prazeroso

deve ser mesmo prazeroso
provar palavras frescas

dizer flor sem parecer ingênua
dizer sangue sem parecer romântica

furor sem parecer antiga
entre tantas palavras velhas

e o melhor é imaginar que se podia
acabar um poema quando bem entendesse