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[4 poemas]

por Leonardo Marona



a propósito dos últimos acontecimentos

aqui estamos nós, os cercados, mais uma vez.
somos outra vez os sionistas dos anos trinta.
somos outra vez o rapaz de vermelho linchado.
somos outra vez a quenga que deve morrer.
somos outra vez o veneno dos dentes podres
de velhos eunucos e suas mulheres cocainômanas.
somos outra vez os curdos no topo da montanha.
somos outra vez a execução do nariz de palhaço.
somos outra vez a gangrena violácea do apuro.
somos outra vez a tremedeira do ser em pânico.
somos outra vez o caminho dos beligerantes.
somos outra vez, vai acontecer outra vez ainda.
somos outra vez os caracóis debaixo da pedra.
somos outra vez a beleza do grito avacalhado.
somos outra vez a memória curta dos umbigos.
somos outra vez as mulheres com o grelo duro.
somos outra vez a parabólica viral do coisa ruim.
somos outra vez os cães de bandana vermelha,
sangue vermelho dos cães de bandana vermelha.
somos outra vez os corredores salivantes do ódio.
somos outra vez, há quinhentos anos outra vez.
somos outra vez a vergonha daqui a trinta anos,
um sísifo quando baixa a guarda e cai de queixo.

manifestação de direita

alimentas catástrofes de pelúcia
enquanto atinges um ritmo de pedra.


antecipas tua vergonha numa
inundação interplanetária.
a mãe indígena tem culpa
por escolher o dia da cesárea.


os artistas são negociantes
com talento para fazer arte.
suas almas são amigos ricos
em seus saraus apaziguados.


ao longe tua sorte se abre
diante de um labirinto em chamas.


é preciso agora alimentar
as tuas quatros patas.


a ofensa, dever do pobre,
foi comprada pelo rico.


beira-mar, as roupas cospem
as lindas cores da bandeira.

diante de tal situação

deixar os pensamentos deformados fluírem sem ideia
à margem das crateras de um mar crosta vermelha.
receber a verdade que sem força queima os ossos
e inscreve nas paredes da tentativa a nossa intenção,
a frágil intenção de acalmar os olhos arregalados
e despertar fora da caverna tão mesquinha aceleração.
rever os anfíbios que povoam a sala dos clamores,
cumprimentar as vozes que vêm de outras dimensões,
se misturar ao sangue de anestesias compartilhadas,
gavetas abertas de sorrisos que tentam se encontrar.
sustentar o cerco de mosquitos que vivem e morrem,
completar com holofote a espessa travessia dos olhos,
ver outra vez o silêncio enterrado no que se reafirma.

novo mantra

fundar-se com a essência
e dela tirar um sentido
– ainda que insuficiente –
de alguma insurreição.


não se tornar
o que estava pronto
para se tornar.


essas coisas não são
verdadeiras e podem
nos fazer bem felizes.


olhar para as plantas
do caminho sem pés.
não decorar nomes,
olhar as plantas
na escuridão.


não se especializar.
abraçar ingenuamente
a impossibilidade
e o terrível sofrimento
de ser um pouco de tudo
ou quase nada.


observar as pombas
sobre as poças
da última inundação.


como são sujas e alegres.


ser sujo e alegre
após a inundação.