trégua
cubro o vazio para que ele durma
em paz
não tenho ossos
para tantas quedas
e o que tinha já foi
cinco ou seis lutas atrás
hoje o dia amanhece mudo
os inimigos com as tropas
lá fora
mas ainda repito involuntária
os gestos
contra o silêncio
do oponente sem rosto
tenho dores medievais
não escuto mais berros
costuro partes que não se pertencem
estou límpida e aniquilada
mas parece que vim
para ficar
interestelar
como formigas que sobrevivem
a bombas atômicas
você retorna
coçando feridas antigas demais
para serem nomeadas
ainda veste a roupa prateada
de astronauta esquecido em outra
dimensão
e chega com a sede de sete séculos
a enfiar em mim
o
mais
novo
segredo
não dizemos nada (pois não há como dizer)
eu vou molhando esperanças para depositar sobre a tua testa
e deixo você guardar o rosto entre
as minhas pernas enquanto o mundo não
cessa de rodar e a gravidade ainda te
lembra demais a tua própria
exaustão
amanhã quem sabe
os domingos incendiados começam cedo
gosto de fingir que não sei
pra onde ir
gosto de fingir que são meus
últimos dias
amanhã quem sabe
visto um mapa por dentro
e espero a próxima coceira apontar
minha nova direção
o que soube está morto e enterrado
o que quis está morto e enterrado
o que tive está morto e enterrado
parece que esqueço alguma coisa
não sei se as chaves o fogo ligado
mas saio mesmo assim
porque não existe
outra forma de sair
que não seja esquecendo algo
indecifrável
uma mulher correndo
toda a felicidade do mundo está
em mim é só ver
o sorriso que escorre pelas minhas pernas
o sorriso que afrouxa as articulações
uma mulher correndo
eles sabem
nunca é só uma mulher correndo
que dizer então da que sorri
com os pés vulcânicos mastigando a terra
lambendo o tempo dos homens
como lamberia uma cria
fraca demais para se manter em pé
toda a felicidade do mundo mora em mim
mesmo quando meus dentes estilhaçados
vão se soltando pelo caminho
e eu mesma os pisoteio como pisotearia
um rio de pérolas