SEÇÕES

[2 poemas]

por Maria Caú


Contém spoilers

Este poema
À mão
Ainda trêmulo
Rabiscado em traços de guardanapo
Pra mostrar que eu sou daqueles
Que carregam guardanapos
Vivendo do passado no rubor das esquinas de(s)coradas
E nem mais tão retas
Agora
Este poema
Contém spoilers
Deixa claro que a paixão vai se deixar
Atenuar de amanhecida
E os espantos serão muitos
E os acasos serão tantos
Que vai se perder de vista
A xícara de café
Para a coragem dos dias
Que não se conta
E uma tatuagem das viagens
Que abortaremos juntos
Se eu acordar ainda antes do poema
E viver o dia pelas beiradas das manhãs de março
E abril
Que ainda assim me escaparão aos poucos
Mesmo quando eu cronometrar as horas
Escorregadias
E a cada dia
Houver menos
Mas eu acordar ainda
Antes do poema
Onde não há espaço para esquecer
De terminá-lo
Um dia
Pedirei desculpas
A você e a mim
Que afinal
Neste ponto
Aqui
Ainda
Não chegaremos ao fim
Mas este poema

O pinheiro alto

eu quero que ele queime as minhas mãos
dedo após dedo
delicadamente
com a ponta vermelha de uma brasa viva

quero permitir
que me machuque com distinção
a começar pelas pontas soltas de mim
pelas beiradas
devagar e em silêncio como o crescer de um pinheiro
assomando por cima do telhado
quieto
quieto e atento
e solenemente ereto
em vertical afligir

tão reto, tão frio
raízes se estendendo por quilômetros
agredindo a terra
lentamente
agredindo e acariciando
com a mesma clara violência

raízes dissimuladas
afrouxam os dedos longos do centro da terra
deixam que o pinheiro balance
para que ele pressinta a fuga
imagine a queda
ouça o ranger repentino e fatal

eu quero que ele me quebre pelas bordas
que me trinque inteira
para que eu entenda a dor
como a possibilidade constante
permanente e imóvel
paciente como o pinheiro alto

eu quero prever o partir de mim mesma
para sufocá-lo com efeito
que eu já não vejo minha raízes
enterradas, enterradas
mas vejo as mãos dele
nitidamente

Eu quero que ele me quebre
para que eu não me quebre.