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um poema

por Douglas Souza


mergulho

na irrealizável busca por palavras definitivas / dias raquíticos / fome à espreita da agenda / engrenagens famintas / a cidade aranha embrulhando moscas em horário comercial / a grana contada / a cerveja aguada / o agora, possível / o poema desfibrilador que não deixa o coração parar (por enquanto) / disjuntores caindo toda hora / a todo momento a estatística engorda uma conta e mata outra / porque é assim, todo mundo quer vender lenço / diz o imbecil caga-regras teleguiado : compaixão gratuita é coisa de idiotas / idiota em grego é aquele que não sai de si / pra salvar a pele, fulano mata até o último ursinho albino / esse aí jamais escreverá um verso / nem contem com ele / quem vai entrar lá na clareira de peito nu? / ninguém se prontifica? / como tirar esse mofo do peito?/ ir pra mata, voltar no tempo / o Vale do Capão agora é só pra gringo rico/ ouvi dizer que paga-se pra nadar / ninguém vai dar uma carona / nem comer os restos pode / sobrou umas fotos velhas de alguém que nem conheço / falar de amor olhando esses carniceiros / essas hienas banguelas sorrindo em volta da carcaça / legal mesmo era se encontrar por acaso / tragar a fumaça dos dias / quando foi que nos roubaram o acaso? / agora tudo é marcado e nada acontece / as agendas cheias e a vida vazia / centenas de amigos na rede e mais um almoço sozinho / ela disse que amor é momento / e não é possível para-lo / ela mentia / amar o talho do tempo / o instante é um mutante como as margaridas de Fukushima / separa-se um e nascem três / como o rabo da lagartixa cortado que se mexe freneticamente / ouvi dizer que os nêutrons pululam daqui pra outra dimensão / ninguém mais sabe o que é boato / ser a pedra que cronos engoliu / o deus mudo / o jogo muda / as peças mudas obedecem / endividar-se com um pacote turístico pro Vale do Capão?/ talvez me encontre por lá / deixa essas fotos velhas apodrecerem onde estão / o agora é caro (mesmo o possível) / arrisco / pago a brincadeira com o tempo e apago esse trecho/ não há risco que afete a palavra tempo / o conhecimento é escasso / é parco / é pouco para a saraivada que o alvo merece / fuzilar com poesia a mediocridade / a resposta pronta / a pesquisa do google não encontrará a beleza que vai salvar o mundo / Tolstoi sentado no banco de madeira ainda olha pra mata / o faquir espera o público enquanto o tigre faz sucesso com a barriga cheia / outro barco de foragidos afundou / o oceano anda cheio de comida pra camarão ultimamente / li que camarões comem corpos / quanto maiores, mais foragidos comidos / enquanto há palavra, há munição / dizer num rasgo / toda rusga que engolimos / por enquanto, com a bunda colada na parede / o mesmo pulha ensina falso moralismo para seus jovenzinhos / difícil ter opinião pra pelo menos limpar o pinico / ficam por aí olhando o azul da vida virtual seguindo e contando curtidas / ela me pediu um poema de amor / e eu aqui afundando com esses corpos no Mediterrâneo / nossa ilha de edição foi engolida pelo mar da história / alguém tem que morrer / matem o caga-regras antes que amanheça / nunca chegar nem perto de um Neal Cassady e suas incontáveis trepadas / en este mundo hay mucha confusion, suenan los tambores de la rebelion / mando um tchau pro mundo / quero registrar a palavra-adágio / forja-la sobre o rubro vascular involuntário / vasculhar / esse cio invisível / quero matar a ânsia / a sede / a volúpia / em um só mergulho.