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um nome inabitável

por Victor Prado


você me desmonta igual aos
cientistas da nasa desmontam os
mitos do universo

e você erra
sua mira é uma faca
cega e dói mais que
corte de papel

você é cego
mas não dos olhos

suas mãos são areia
e tudo que é sólido passa
direto por entre
seus dedos

puta que pariu

minha herança é uma gastrite nervosa
e a falta das fotos
que é, também, um símbolo

a sua memória é a da ausência

lembrar a ausência é algo terrível
a ausência se apossa até do último e solitário
grão de arroz deixado no prato

ela se apossa até dos dias que você veio

a ausência se apossa de todas as lembranças
e queima teu rosto até que eu não saiba
mais dizer se você estava ou se tinha dado
                                                        uma desculpa
até que que você não esteja em lugar algum

até que não haja lugar algum.

 

***

 

i

na hora x, acontecem todas as coisas
todos se levantam de uma maneira imprudente

os imprudentes não verão as férias
os trabalhadores também não

sobra à carne o destino de ser churrasco

alguém pregou um aviso na geladeira
alguém pisou no barro e trouxe o passado
ao piso

alguém indefinido não pode ser sujeito de coisa alguma

não há como conciliar a inexistência da memória
e a possibilidade de se possuir algo


ii

na manhã de ontem havia um sol e uma sombra
me deitei com ambos sem tua presença
sem tua consciência

e te abracei quando te vi
não houve nota sobre isso
mas tudo era outro


iii

quando passamos a ocupar a casa
esperamos que ela nos adote
esperamos que ela nos abrace
nos acolha como a mãe
nos seja carne e osso e sangue e sopro

então, seremos cimento e canos e fios e portas e
janelas e interruptores e tijolos e cabos e telhas?


iv

o fardo é um conjunto de palavras: eu quero existir

algo que não se faz na prática
algo que não se assume em público

à carne o destino de ser carne


v

então, o que há de distinto nos teus dedos,
além de que eles existem sem que eu os veja ou os sinta?

 

***

 

sábado a vida toda alguém me explica?
já foram os tempos das sementes
hoje cactos
compramos areia para enfeite
compramos fitas para disfarce
um som um som

e dedos que engatinham em cima dos ponteiros

vire a maçaneta, vire
e você vê
você vê o futuro
teus olhos de girassol
o futuro que só você vê

minhas mãos mentem o roteiro
minha mãe nunca mentiu para se safar
eu virei escritor.

 

***

 

um inseto mergulha:
afunda no café

denso, meu dorso restringe a si
num passo viciado

as estrelas, ao longe, cantam
grandes
vozes liquidas
grandes dedos nos meus cabelos
a acariciar meus sonhos

azedos
como pequenos ouvidos entupidos


a fruta a seiva
o veneno

                   a artéria profunda
                   lotada
                   os músculos esburacados

meu corpo minando
com essa luz ao fundo
com essa sombra estrondosa

fora desse lugar possível
numa tangente sem toque:

um movimento que se dissolve:

teu braço
        que se estende pelo
antebraço
        desce pela mão
        chega às falanges
                e tateia


Teu nome é um lugar inabitável.