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três poemas

por Caetano Sousa Romão


exílio nº 1

vai-se a fama e fica o homem
pedaço de si mesmo
inocente,      até segunda ordem
amado,           até segundos beiços:
hoje foi a terceira vez na semana      esqueci
a boca do fogão ligada
habitando perigos serenos     25 metros quadrados     18 graus centígrados
naco de coisas descabidas
que homem de bem nenhum leva ao bolso
debaixo da chuva          qualquer um parece mais mocho
andei rangendo os dentes e fazendo favores
andei pastando,   senhores

digo      não havia muito propósito
naquele primeiro desterro
só deduzia a fuga no trançado dos dedos
sitiado entre palavras lindas
que jamais teria circunstância de usar
o corpo entre os balcões de cidade
miserável cortesia de se saber gente
desejoso de que o dia nascesse
só por birra

espécie de peleja que
me arroja as palmas
vontade de triunfar no asfalto desse país
provar do sal, os homens, as dunas
ou os figos

pra escancarar todas chuvas que apanhei
no caminho de volta pra casa
esse sujeito mirrado que se porta
como se soubesse a rota das sedas
ou onde deixou as chaves do apartamento
pois morrem os homens e ficam as tramas
olha que eu nunca pedi socorro
nem mesmo naqueles assaltos
ainda que fosse naqueles lençóis
susto ao se dar conta
de que por tragédia ou delícia
talvez ninguém ainda nos espere

pois que da poeira que trago nas botas
ninguém nada sabe

e morada é como o lugar
que não é aqui

***

exílio nº 2

na minha vida ninguém me ensinou a cantar o hino de minha pátria.
           pelo contrário,
sempre me ensinaram a desconfiar de tal palavra
           e outras fáceis como essa.

tem vez que eu sonho em língua estrangeira
           e acordo como que chorando.

tem vez que eu lembro
          de certas tardes engasgadas,
                    certas goiabas apodrecendo
                                                                e deus que me perdoe.

***

boi

ontem te pedi um copo d’água nem era manhã
você disse nunca fui rei
mas eu não ri
fosse mais simples medir a avaria
de maio acertado em cheio as ancas
o chão marcado aos palmos
desembestaria eu moleque rumo aos currais
a dar com a fuça nos bebedouros
a saber-me o tórax regato que nem dá pé
sem fazer troça das retinas se enxutas
em rumor dente osso goela abaixo
a meada das horas que teimam
em não enfatizar seu rosto
enquanto pastoreei silêncios

bem te queria bem
rosa boi menino
de cornos que concluem o arado
de calcanhar que caminha a uva
da língua que fabrica o vinho
trançar a cama inventar o barro

costurei sutilezas no boçal das pedras
e quando franco
propus saliva o bastante
pra pronunciar teu nome sem aspas
sei a parte de sede que há no pão
o punhado de pelos que há no sal
tentativa de erguer algo honesto
como a uma vontade
nem que fosse pra ignorar
o faro enveredado sobre os cochos
a terra decantada sobre as coxas
o lombo marcado a ferro e os cascos
que as moringas ainda são de barro
e minhas costelas não