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o parquinho

por Ana Kiffer


 ana kiffer, o parquinho

depois do balanço
só fez alargar em mim
– alargar é a condição dela
diz o agressor
alargar em mim
esse belo e imenso espraiado
essa quase-paisagem
[do desamparo 
do corpo] 
envolta em sua própria solidão. 

nessas condições fica difícil – 
o verão 

se a isso ainda somamos 
o desprezo do fechado sobre si 
a reinvenção dos guetos 
sem Varsóvia
essas vassouras dos novos modos de autoajuda 
que nada espanam nem espantam
onde o comum vira veja
e desinfeta 
        – a jovem continua comida pelo, o poeta, os efebos, e a antiga grécia 
continuam aqui agora e mandam – e, sim, ainda somos um país colonizado
sem metafísica 
e de ídolos canibais
confundimos fronteiras espaço-temporais 
conforme prescrição do agressor 
nenhum lisérgico
nos auxilia na passagem 
nenhuma volta ou origem
o sucesso iguala-se à normalidade 
exigida
segundo as prescrições do agressor 
e o fracasso, claro, mantendo as dicotomias de pé 
mesmo quando o outro estrebucha ao teu lado 
é o fruto podre da loucura, 
uma pobre convulsão. 

nessas condições climáticas 
– apesar dos trópicos e dos portugueses 
ainda nos quererem – 
nessas condições climáticas fica difícil 
escrever um poema erótico 
fica difícil
escrever
bem, quem sabe lá do frio 
vendo tudo isso aqui queimar 
da janela 
sobre os parques de nudismo 
que por um instante te fazem crer viver como num bosch 

insisto, e isso só piora tudo 

essa minha indocilidade, diz o agressor 
apesar da aversão aos açúcares e das prescrições dele mesmo
jamais terem impedido à minha buceta 
o doce
mas crer que ela, esse buraco rochoso, esse penhasco sem encosta, essa aventura sem treino 
possa ser docilizada 
poxa, quanta maldade, sr. agressor! 
enfiando aqui toda manhã essas mesmas e melhores intenções 
que a preencham
disso que os pares guetos e grupos de autoajuda mútua tramam 
entre seus paus e bucetas 
no oco da minha

nada disso por fim seria heroico 
não, nem adianta 
aqui não há nenhum heroísmo bucetal
nenhum desejo mimético dela como pau
nada que sirva à covardia de vocês
continuar gozando 
com o que levam e lavam
antes a sujeira dos padres 
que ao menos deixavam ver debaixo das suas batinas 
do que essa visibilidade cheirosa da superfície 
sobre redes
e canoas furadas 
essa falsa sociabilidade dos abutres normopáticos 
como diria A., quase toda a humanidade
não fará 
não fará 
não fará sobre essa buceta aqui nenhum véu de sacrifício 
sua carne dilacera-se entre prazeres indizíveis 
que ela jamais escreverá
– não por pudor –
esse plano raso e insensato das horas gastas na cama 
diante da sodoma que me algema
nos trópicos banguelos 
onde quem mostra os dentes são sempre os mesmos cães 

vou resistir 
vou resistir infinitamente à ideia
vou resistir a toda ideia de escrever 
que me-ditam
como essa ressuma do prazer e da dor encravou-se de tal modo 
vou resistir ainda ao sonho dessa glote vampira 
em mesa de glutões 
aos que nos submetem todos os dias 
para, em seguida, nos indagar – por que o nervosismo? 
não, esse poema não vai acabar 
vou resistir também a ele
que insurge sem uma palavra 
bela do erotismo de plantão

contra essa injúria dos poetas 
não ser grande 
não ter nome algum 

voltem para os seus parquinhos
de pórticos poéticos 
vou resistir
e vou continuar
na selva
resistir 
aonde até bicho tem medo de entrar 
no erotismo desse tipo de animal 
ainda não catalogado 
apesar da invasão de vocês
guardo. 
resisto. 
resto. 
em minha buceta translúcida com as histórias incontáveis. 
erotismo mesmo – aqui nos trópicos – só se vive assim
ou no parquinho ou na brutalidade. 

claro, tudo isso eles dizem, depende da sorte.