você dorme ao meu lado
enquanto eu durmo comigo mesma
eu tento te alcançar em cada uma
de suas pequenas manchas
que pintam suas costas
entregues vulneráveis e particulares
você tão solitário quanto um escafandrista
eu dormindo comigo mesma
de manhã talvez você me olhe e me deseje
talvez você invente uma desculpa
para desmembrar as minhas pernas
que te buscam lentamente
que se tornam apenas úteis
sem a curvatura da sua panturrilha
então eu esqueço toda essa teoria
da massa pragmática dos corpos
que apenas atravessam os dias
eu esqueço
porque a forma como você
distribui as louças sobre a mesa
e me fala sobre as pedras de Teresina
a forma como você diz que vai embora
enquanto recolhe as xícaras vazias
eu esqueço
a casa cheia de arestas e portas
eu inconsistente
como aqueles quadros impressionistas
reproduzidos por projetores
nas paredes descortiçadas da professora Consuelo
nós não lemos as instruções para o adeus
sua despedida é sólida incisiva afiada
minha última alternativa
é antecipar a partida
eu tenho que levantar muito cedo
mas você pode continuar dormindo
vamos apenas deixar pra lá
a nossa falta de talento