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feche os olhos e adormeça

por Gabriel Gorini


feche os olhos e adormeça

calar um ou dois segundos após 
a morte e contemplar as avenidas
do centro da cidade em toda a sua
degradação impérios inteiros se
levantam e partem para a guerra
e nós permanecemos em silêncio
as crianças as mulheres os homens
já não nos importam somos uns
contos uns trocados na beira da baía
solene baía meus irmãos estão
chegando meus irmãos se aproximam
quem vamos cantar agora?
render-se sempre foi a única opção
plausível e os tormentos e as
tempestades e as ventanias e os
desmoronamentos sucessivos
simultâneos meus irmãos, já os vejo
a multidão não me confunde
estamos próprios à terra e 
conseguimos uma ou outra canção 
admirar as vias em farpas 
singelas ah os largos ecumênicos
ah o rio de janeiro amanhã 
precisamos voltar pra casa
meus irmãos já vão chegando 
é melhor levantar o 
acampamento apreciem a
baía e seus transatlânticos apreciem
a baía e suas comemorações anuais
seus peixes ácidos seus sacos 
plásticos sua felicidade dominical 
é tempo de contabilizar os mortos
precisamos ver como os Institutos
vão lidar com isso precisamos acima 
de tudo escrever alguns livros pra 
entender toda essa situação meus irmãos
já chegaram é melhor eu partir
ah os cínicos os sonsos aqueles dois
ou três corações partidos a cidade e
sua roupa documental sua febre homeopática
seu inferno pedregoso seu contorno
subterrâneo os antigos impérios já
se levantaram e distribuem panfletos na
Uruguaiana e nós nos damos conta
das valas dos fossos os exércitos inimigos
vão chegar pela manhã e meus irmãos
ainda estão por aqui um ou outro sufoco
por todos os lados é guerra e os jornais
e as televisões e os celulares é guerra 
é guerra não pode haver nada mais 
nossas botas estão limpas nossos 
casacos bem passados precisamos 
apenas de armas e o medo da morte
cantar um ou dois segundos depois do
Juízo Final e mandar para a Central de
Negócios o resultado da partida 
domingo tem final precisamos estar atentos 
você tem um inconsciente muito sensível, senhor
esqueçam as pontes as retroescavadeiras os
tratores com sua elegância laranja olhem 
para o céu sem estrelas e me digam o 
que veem nós vemos a morte senhor
nós vemos a morte e nada além da morte
e deus por onde andaria num momento 
como esse por onde anda deus
as malas metálicas e os aeroportos congestionados
os incidentes particulares a fama repentina 
e as fotos nos murais alheios quentes 
explosões de silício render-se sempre
foi a melhor opção e é isso que vamos
fazendo continuamente me coloque em
contato com a Central o rio de janeiro 
sossega adormece e nós abaixamos 
as cabeças e contabilizamos as perdas
sob o sibilo cruel das últimas 
sentinelas