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Crítica cinematográfica – Estômago

por Helena Schoenau de Azevedo


Ctítica cinematográfica – Estômago          

    Estômago é a carne que digere a carne – a retroalimentação; o cíclico. E é também o título despretensioso desse longa-metragem brasileiro – com coprodução brasileiro-italiana de 2007, que alude, a priori, à culinária; referência apresentada logo de início. A mesma  que leva ao céu e ao inferno Nonato, o anti-herói de um filme despretensioso e desprovido de lições morais.     Raimundo Nonato, um homem que chega sem dinheiro algum em plena cidade grande e acaba na cozinha de um refinado restaurante italiano; ele é também Alecrim, que entra desavisado em uma cela de presídio e ganha posição e respeito na hierarquia do xadrez, pelo seu talento na cozinha. É no duplo que opera a estrutura desse filme, a qual corrobora a importância da antítese na obra artística através de seu formato diferenciado: é não-linear e oscila entre o flashback e o momento presente da vida de Nonato. O flashback, então, opera como o fio condutor pra unificação dessas duas linhas narrativas; é a antropofagia narrativa que caminha do duplo à univocidade.
    Essa dubiedade formal espelha, em adequação, polarizações temáticas que se apresentam em contraposições como: o boteco e o restaurante italiano; o meretrício e a instituição do casamento; o refinamento de temperos e a cela de presídio. E todos eles são reflexos do próprio paradoxo que constitui Alecrim: o marginalizado que chega à cozinha de um requintado restaurante.
    Dentre as mudanças que perpassam a vida da personagem, além da descoberta da paixão pela culinária, o aflige a paixão por uma prostituta, Íria. E o recurso, inteligentemente usado pra explorar a construção da identidade do anti-herói é a trilha sonora, que se faz presente quando ele está em contato com um dos amores. São os prazeres que, de alguma forma, se consumam pela carne, signo representativo da história.
    Nonato poderia ser visto, pelas mudanças que sofre no decorrer da trama, como um personagem redondo. E essa nomenclatura, por mais escolar que pareça, alerta sobre a fuga do estereótipo que é inerente a esse personagem e, por conseguinte, o desvio de paradigma desse filme em relação à cinematografia brasileira contemporânea presente no circuito comercial, que não deveria se limitar, enquanto produção cinematográfica ao modelo proposto pela tele-dramaturgia brasileira.
    O filme se mostra diferente e, ao mesmo tempo, simples. A dialética entre opostos, o encontro de nossas carcaças feitas de carne; o estômago, título, nome que é modificado – pelos sentidos diversos que alcança – e que é modificante. Bem como Raimundo Nonato, que é Nonato Canivete e também Alecrim.

 

Ficha Técnica:
Título: Estômago
País de origem: Brasil/Itália
Tempo de duração: 112 minutos
Ano de lançamento: 2007
Diretor: Marcos Jorge
Roteiristas: Marcos Jorge, Lusa Silvestre,Cláudia Natividade e Fabrizio Donvito.