SEÇÕES

editorial


este é um texto sincero. e calmo, na medida do possível. um texto diferente do outro, daquele que estava no editorial passado.

essa coisa de lidar com uma página em branco – e com o sono, a falta de pressa que aparece –  é coisa de escritor, bem diferente de “editar”.

editar é lidar com a página cheia, abarrotada, cheia de gente, com coisa desse e daquele lugar, desse e daquele tempo.

já faz uns anos que me enrolei nesse “mercado editorial”. aí veio a garupa e agora a garupa já tem um ano, sua terceira edição.

a gente não edita não. por aí até há quem pilote o veículo – não é, nunca foi nossa ambição. mas há quem veicule: aí está uma palavra feia: veicular. me lembra aquela burocracia burra do detran: revisão veicular anual.

por aqui a coisa sempre foi mais lúdica, mais beira de estrada com o malandro do seu ex te levando os cobertores e tal. na prática, a beira de estrada é mesmo assim: banho frio e carpete velho, isso ninguém pode negar. acho que é bem por aí. e tem outro jeito?

aqui, publicar é não mercado editorial. não-mercado-editorial. um suspiro de resistência: nesta edição foram catorze autores, dois filmes, duas entrevistas, o quarto livro, os mesmos cinco amigos, agora um aninho de revista.

há quem pense em atrito quando se fala de resistência. há quem pense: atrito é a resistência encontrada por um corpo em movimento em relação a outro corpo. e eu quero lá saber de cinemática. eu quero é botar meu bloco na rua. um grilo a menos nisso.

mais uma vez, nossa reflexão é sobre como a literatura e as outras artes, a cultura e o pensamento – o que não nos levam quando se dá bobeira pela beira da estrada – podem ser veiculadas por algo tão estranho a elas quanto um “mercado” editorial.

um suspiro de resistência, eu disse.
este é um texto calmo.

essa resistência não tem nada de atrito. atrito é superfície. por aqui, se resiste de dentro mesmo. é uma vontade muito forte de fazer, foi isso que não deixou o rosemberg parar de fazer filme depois de todos os longas censurados na ditadura militar. é isso que não deixa o sergio parar de editar livro mesmo quando a conta não fecha. que faz o cléber teixeira imprimir livro por livro na noa noa. que faz esse povo todo enviar texto pra gente.

limites ao léu>>

i
antes do assalto ao windows 98
ou da pandemia das antenas
celular
[havia] esse lugar
 –  lugar onde castigos pouco tinham – [1]

e era preciso jogar o corpo contra rochedos
ser covarde nos botecos
de alguma forma
ter as mãos homicidas[2]
sentir-se fluxo

ao cinema das palavras o nosso ato :
                                      : a direção ::
feita das vísceras às cascas de casas [3]

 

ii
[atrito é a resistência encontrada
por um corpo
em movimento em relação a outro corpo]
                      outro corpo,
se conseguisse gozar sem as mãos.
se não fizesse questão de repartir
tudo que toca. se usasse algemas
sem fins pedagógicos[4]

[atrito é a resistência encontrada
por um corpo
em movimento em relação ao meio]

 

iii
é tempo de contabilizar os mortos
precisamos ver como os Institutos
vão lidar com isso
precisamos acima
de tudo escrever alguns livros[5]
precisamos fechar o balanço
para reabrir
precisamos enquanto é tempo
não morrer em via pública.
precisamos não dar de comer aos urubus[6]

é melhor eu partir

 

iv
e o rio?
  já estava sentindo falta dos seus textos, vezenquando vinha
  ‘aqui e dava de cara com o ‘finados.

sempre há que se dedilhar uma saída[7]



[1] trecho de #naftalina de Vasco Antunes dOliveira
[2] trecho de os olhos de Helena de Rafael Zacca
[3] trecho de palavras e imagens do Antropofagias de Herberto Helder de Mariana Basílio
[4] trecho de how to have sex with a ghost de Camillo José
[5] trecho de feche os olhos e adormeça de Gabriel Gorini
[6] trecho de D’engenho de dentro, 20/10 de Torquato Neto
[7] trecho de Noteroullete de Ana Bê Domingues